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10 dezembro, 2007

João Sardento e o Espírito da Televisão


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: Eunice Rosado
Ano: 2007
Editora: Âmbar
ISBN: 978-972-43-1218-7


João Sardento, personagem actuante nesta narrativa, corporiza o ideário infantil na busca e satisfação do impulso interior que o conduz aos universos do imaginário. Actualizado no espaço cénico da modernidade, adapta-se às mudanças do nome, facto que é aceite pela personagem e por um narrador interveniente que assume a Palavra como realidade que reflecte a osmose que se opera permanentemente entre o mundo empírico e o da aquisição da identidade, inscrito no mundo da interioridade.
O espaço da construção narrativa identifica algumas problemáticas dos tempos modernos e a acção desenrola-se sob o domínio de uma avó “contadora de histórias” (Letria, 2007:11), remetendo-nos para aspectos tradicionalmente correlacionados com certo estatuto dos mais velhos. No entanto, demarcam-se elementos desviantes das matrizes encontradas nas narrativas tradicionais através do pincelar satírico ao comportamento desse membro da família que, embora zele “pela ocupação do neto” (Letria, 2007:12), vê telenovelas com “enredos de fazer chorar” (Letria, 2007:12), interagindo activamente com os seus pares e evidenciando uma forma mais liberta de estar no mundo.
A história assume o seu auge na focalização do fantástico reencontro com um objecto mágico, abandonado, mas detentor de grande sabedoria – um aparelho de televisão. É através de “uma voz estranha vinda de dentro do aparelho” (Letria, 2007:18) que a atenção do leitor é captada para que se processe a informação essencial sobre o surgimento deste meio de comunicação. Então o sótão passa a ser o laboratório onde João Sardento assiste à viagem libertadora do “Espírito da Televisão” (Letria, 2007:20), “criatura serpenteante, que não tinha boca visível e mostrava apenas dois olhinhos brilhantes” (Letria, 2007:24), podendo-se conectar perfeitamente com a ideia preconizada por Bachelard (2001:25) de que “memória e imaginação não se deixam dissociar”. Assim, o tempo do sono é o instante de aprofundamento mútuo destas duas variáveis onde a intencionalidade narrativa articula de forma hábil, engenhosa e lúdica aspectos que visam promover o alargamento dos saberes acerca do conhecimento da evolução do meio de comunicação que revolucionou o mundo, adequando a informação ao destinatário preferencial, denotando uma preocupação que procura contrariar a rotinização na transmissão de certos conhecimentos aos jovens leitores. Assim, o recurso à espectacularidade do estranho, a evocação das “ palavras mágicas” (Letria, 2007:20) e a negociação que se efectiva entre o João Sardento e o velho televisor falante mais não são do que formas de processar informações relevantes, mobilizando quadros de referência intertextuais, revalorizando nas temáticas do incompreensível os desafios à assimilação das grandes transmutações operadas pelo surgimento da Televisão.

Teresa Macedo
Bibliografia
Bachelard, Gaston (2oo3-6ªEd). A Poética do Espaço. São Paulo. Martins Fontes.

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