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20 setembro, 2007

Zeca Afonso - O Andarilho da Voz de Ouro



Título: Zeca Afonso - O andarilho da voz de ouro


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: Evelina Oliveira
Editora: Campo das Letras - Editores, S.A., 2007
ISBN:978-989-625-154-3
José Jorge Letria regista neste percurso narrativo a memória biográfica de uma um homem que, tendo pertencido ao mundo empírico e histórico-factual, se transmuta num ideário ostentador dos valores emergentes, pertença de um tempo e de uma historicidade que urge preservar na nossa identidade colectiva.
O humano Zeca surge-nos, logo no início do livro, com particularidades que indiciam marcas de estranhamento que justificarão, mais tarde, uma demanda em torno da reflexão, da expressão e da divulgação de princípios axiológicos fundamentais ao reconhecimento da Alteridade, da Liberdade, da Igualdade como alicerces imprescindíveis ao constructo humano. Zeca “era distraído e (…) andava sempre com a cabeça no ar, nesse mesmo ar que dava asas à melodia que nunca lhe deixou seguir os passos e os sonhos” (2007:7); (…) tinha tempo de pensar em muita coisa, para ler livros e para sonhar” (2007:8); “(…) era diferente dos outros meninos, por passar muito tempo à volta das suas inquietações, brincadeiras, saudades e medos” (2007:8). Estes indícios, associados a dicotomias presentes na narrativa, tais como dúvida/certeza, inquietação/tranquilidade, guerra/paz, liberdade/opressão, riqueza/pobreza, bem como o dialogismo que estabelece com o Menino do Bairro Negro, símbolo de todos os que não são detentores de uma voz própria e livre, transpõem esta narrativa para patamares que se conotam com o mundo mítico e mágico, entre a corporeidade e o constructo da emergência espiritual e ideológica, um mundo simbólico. Neste, então poderemos cruzar-nos com a “sofreguidão dos vampiros, que atacavam pela noite calada (2007:30)” ou com o “Papão, que (…) mantinha o país encarcerado entre as grades do medo que mandava erguer por todo o lado” (2007:22). Assim, num tecido verbal reflectido, assistimos à força da Palavra inserida numa mimesis musical, encorpando a Liberdade na mediação e regeneração da força heróica que fará a metamorfose do caos em ordem, inscritos num espaço que oscila entre as marcas do registo factual e os demarcados percursos existenciais fantástico-maravilhosos, que assentam nas miragens do transcendental.
É por isso que, no final da narrativa, Zeca reconhece a Morte, não com o olhar temeroso dos que agonizam, mas como a Liberdade necessária, “perseguindo um sonho que só se acabará quando o último ser humano desaparecer deste planeta” (2007:39).
Esta narrativa, interagindo com o discurso semiótico doado pela excelente ilustração de Evelina Oliveira, reflecte a mundivivência de um escritor que, através da recriação biográfica desta personagem, destaca a memória como um processo afectivo-representativo complexo no qual as imagens-lembrança evocam a necessidade de assegurar a continuidade de um conjunto de valores que emergem nesta figuração da esperança essencial.


Teresa Macedo
macedo.mariateresa@gmail.com

10 setembro, 2007

Universidade do Minho: parceiro estratégico no Programa Nacional de Ensino do Português

O Instituto de Estudos da Criança constitui, ao longo do ano lectivo de 2007/2008, um parceiro estratégico no desenvolvimento do PNEP - Programa Nacional de Ensino do Português (1º Ciclo).
O programa tem como finalidade última a melhoria das aprendizagens dos alunos do 1º ciclo na área da Língua Portuguesa, contemplando três dimensões fundamentais:
1. A formação nas escolas/agrupamentos, dinamizada pelos formadores residentes.
2. O acompanhamento e aprofundamento da formação dos formadores residentes em exercício, da responsabilidade da Universidade do Minho.
3. A formação de novos formadores residentes na Universidade do Minho.


Pretende-se com os conteúdos desta formação actualizar e aprofundar os conhecimentos científicos e metodológicos dos formandos, no que respeita ao ensino da Língua materna no 1º ciclo, à luz dos resultados da investigação sobre o desenvolvimento linguístico da criança e sobre as aprendizagens da Língua materna neste ciclo escolar. Os princípios orientadores da formação ancoram no Currículo Nacional do Ensino Básico, particularmente no desenvolvimento das competências específicas aí enunciadas.


O objectivo final desta acção é a actualização científica e metodológica dos formandos, futuros formadores nas escolas básicas. A formação assenta em três grandes pilares: (i) sessões presenciais conjuntas, (ii) experimentação de materiais pedagógicos e de avaliação nas escolas onde os formandos leccionem e (iii) trabalho autónomo de reflexão e aprofundamento profissional nos domínios visados.

O Programa é objecto de monitorização e de acompanhamento por parte de uma Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento, estando prevista a sua avaliação externa.
Para acesso ao blogue do Núcleo Regional do PNEP/Universidade do Minho, carregue aqui.
Para acesso à Plataforma Digital da Universidade do Minho, em que funciona o programa, carregue aqui.

06 setembro, 2007

O Sonhador: uma leitura de apelo à Imaginação




Texto: Ian McEwan
Ilustração: Anthony Browne
Editora: Gradiva – Publicações, Lda (2007 [1ª Ed. 1995)]
ISBN: 978-972-662-408-0
Aconselhado: A todos os que sabem observar, reflectir e abrir os braços ao sonho!


Este é um livro que me chegou pela mão querida de quem sabe o que significa ler o Imaginário na sua essência mais pura. O Sonhador (2007 [1ª ed. 1995]) é uma narrativa do já reconhecido escritor Ian McEwan, prestigiado por vários e importantes prémios literários britânicos e que se estreia, assim, de forma espectacular na literatura de potencial recepção leitora juvenil.

Abre-se o livro e a epígrafe reclama, de imediato, a nossa atenção para a noção da metamorfose que, de forma mais ou menos evidente, ou mais ou menos consciente nos faz seres sociais. E certo é que a intenção autoral que se lê por detrás das palavras do poeta Ovídio: «“O meu objectivo é falar de corpos que se transformam em formas de outro tipo”, Metamorfoses, Livro I» in O Sonhador, se dá a ler de forma absolutamente completa. McEwan parece propor um livro de contos feito de um conto só: o da metáfora da vida enquanto espaço cosmogónico do Ser em crescimento e da aprendizagem, mas, essencialmente, da curiosidade e experiência premeditadas.

Ousaria afirmar que O Sonhador reclama, no avançar da leitura, a consciência do sujeito-leitor para as diferentes formas do querer existir num estado de co-existencia diária obrigatória. Ousaria ainda dizer que esta narrativa, onde a metamorfose poderia adjectivar-se de psicológica, física, metafísica, familiar, e de outras tantas, se transforma numa macro-metamorfose: a do indivíduo social, responsável (na sua essência vivencial) pela força da imagem da identidade do Eu, que por si só nos reporta para a temática da mutação, quer pela dupla corporalização dos seres, quer pela antropomorfização dos objectos.

Pela voz de um narrador hábil no trato com as personagens, Peter é-nos apresentado logo no primeiro capítulo como uma «criança difícil» mas que nunca reconheceu ou entendeu tal caracterização. Afinal «não despejava Ketchup por cima da cabeça a fingir que era sangue, nem sequer dava com a espada nos tornozelos da avó (…), comia tudo» e não era nem mais nem menos do que os meninos da sua idade. O que haveria então em Peter que o tornava assim tão difícil? Peter, segundo os adultos, «era difícil por ser tão calado, e gostar de estar sozinho» (2007: 9)!

Como invejo (não se compreenda aqui a carga negativa da expressão) a sabedoria desse menino de dez anos que, por querer, sabia viver à margem de determinadas condicionantes sócio-familiares às quais nos subjugamos usando, quantas vezes, de um mau estar que nos torna tão iguais a todos aqueles que ousamos criticar. É pois esta falta de resignação de Peter Fortune, que gostava de estar sozinho para «poder pensar à vontade», que me cativa. Sereno, tranquilo e alheio à forma estupidamente rotineira dos adultos, a personagem do conto representa o Ser Simbólico, que pela evasão cria o seu próprio real empírico.

O quotidiano de Peter é narrado num equilíbrio que nada revela de precário, como se da consciência individual da personagem se tratasse, onde realidade e fantasia se cruzam, deixando que o leitor possa aceder a uma das mais espectaculares situações de literariedade: a do verosímil vs inverosímil enquanto marco preponderante no rompimento com ideologias pré-estabelecidas.

É pois o acto de saber compactuar com o autor que gostaria de destacar nesta obra absolutamente literária, e remeter para a poeticidade do Imaginário que dela emerge. Apelando sistematicamente à participação do leitor, que pode experimentar de um todo a partir das várias aventuras levadas a cabo pela personagem principal, somos levados por este “sonhador” convicto, à primeira grande metamorfose do Ser consciente, o que nos permite conhecer Peter (num dos episódios da obra) enquanto o sujeito activo da participação. Assim, este é induzido pelo seu próprio gato William a participar no jogo da permuta, o que o leva a ousar trocar de identidade com este.

O episódio relatado é de uma intensidade descritiva tal que não nos é sequer possível questionar o estado ficcional retratado, e a mimésis estética torna-se efectivamente completa: gato-rapaz e rapaz-gato transformam-se num só ser identitário. A morte de William fecha o capítulo com chave de ouro, sentindo-se na imagem da morte a imagem da própria cumplicidade estabelecida entre este narrador particularmente consciente, o Eu, e o objecto da sua identificação versus alteridade.

O leitor não se deixa contudo ficar e entra de rompante na mais inverosímil das histórias: a do «Creme de desaparecer». O mini-conto inicia-se com uma observação absolutamente trivial, que nos remete para a imagem do lar. Os Fortune, como qualquer outra família, têm também aquela típica «gaveta da cozinha», que, quando indicada, se distingue de todas as outras gavetas.

As considerações tecidas pelo narrador, sobre a respectiva gaveta, levar-nos-iam para outras tantas considerações sobre a noção de pertença, contudo, o que mais importa é a noção de descoberta realizada pela presença de um «pequeno frasco azul-escuro com uma tampa preta» (2007: 51) que contem o creme de desaparecer, e que Peter irá usar intencionalmente para apagar toda a sua família. Descuidado, o leitor poderia deixar-se pensar que o narrador quis transformar a personagem principal num psicopata assassino, capaz de matar a própria família, usando de um método eficaz e limpo. Bem, não me parece que o nosso leitor se deixe enganar por uma preguiça qualquer. Dado que este se mantém em diálogo literário com o escritor, o leitor sabe que a intenção autoral foi apenas a de suscitar reflexões plurais sobre as noções de identidade / alteridade que em cada um de nós marcam a diferença ou a similitude com o outro, e que são, hoje mais do que nunca, tema de debate para muitos dos mais jovens.

O Sonhador faz-se, assim, de sete pequenos contos, onde se deixam ler as mais diversas experiências de vida que se balizam entre os momentos do sonho, os da realidade empírica e os da realidade sonhada. Caso assim não fosse, este magnífico ensaio sobre a vida de todos os dias não terminaria com o reforço das imagens da liberdade e do sonho, que parecem estar ao alcance de cada um de nós quando nos convidam a olhar o mar e a participar da descoberta de um tesouro: «– Descobrimos um tesouro, Peter! – Vou já – respondeu Peter. – Vou já! – E começou a correr em direcção `a beira-mar. Sentiu-se ágil e leve ao deslizar sobre a areia. «Vou descolar», pensou. Estaria a sonhar ou a voar?» (2007: 115). Eu já vou indo. E vocês? Venham. Voar é saber ir para além do sonho!


Gisela Silva

05 setembro, 2007

Educação e Imaginário na Universidade do Minho

A Universidade do Minho acolhe no próximo dia 24 de Novembro, no Auditório do Centro Multimédia (Instituto de Estudos da Criança), o Colóquio Internacional Educação e Imaginário: Literatura e Romance de Formação.


Programa
9h00 - Recepção dos Participantes
9h30 - Abertura
10h00 - Conceitos e Realização de Bildung e de Bildungsroman
Horst Bergmeier (Investigador – Cied do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho)
10h30 - El Doppelgänger y la novela de formación. En el cielo con diamantes
Maria Ángelez Rodríguez Fontela – Prof. Titular da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha)
11h00 - Bildung et Imagination dans l’Éducation : la formation de l’homme intégral
Julien Lamy – Investigador da Université Jean Moulin – Lyon 3 (França)
11h30 - Debate
12h00 - Apresentação pelos coordenadores da obra Imaginário, Identidades e Margens
12h30 - Almoço livre
14h30 - Novalis e o Bildungsroman do Romantismo: Heinrich von Ofterdingen
Gabriela Fragoso – Prof. Aux. da Universidade Nova de Lisboa (Fac. de Ciências Sociais e Humanas)
15h00 - A Desmistificação do Desejo em Coração, Cabeça e Estômago de Camilo Castelo Branco
Sérgio Paulo Guimarães de Sousa – Prof. Aux. da Univ. do Minho (Instituto de Letras e Ciências Humanas)
15h30 - Reflexão sobre a Formação: na Idade da Ansiedade
Jaime Becerra da Costa – Prof. Aux. da Universidade do Minho (Instituto de Letras e Ciências Humanas)
16h00 - Debate
16h30 - Pausa
17h00 - O Bildungsroman na tradição literária italiana: fortuna e adaptação de uma forma simbólica
Elena Brugioni – Leitora de Língua Italiana da Universidade do Minho (Instituto de Letras e Ciências Humanas)
17h30 - Encerramento


A entrada é livre, mas está sujeita a inscrição prévia.

Organização:
IEP - Departamento de Pedagogia
IEC - Departamento de Ciências Integradas e Língua Materna
Centro de Investigação em Educação
Centro de Investigação em Promoção da Literacia e Bem-Estar da Criança


Contactos:
afaraujo@iep.uminho.pt
fraga@iec.uminho.pt