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28 março, 2012


A história desenrola-se à volta de um pequeno elefante cor-de-rosa, e começa com "era uma vez" como convém a todas as histórias...

O elefante era cor-de-rosa e toda a linguagem semiótica do texto e da imagem giram à volta desta cor dos mundos encantados, dos mundos "cor-de-rosa", onde o elefantezinho vivia a sua vida que era também cor-de-rosa, "entre pássaros azuis e manhãs de cristal...(...)". As próprias páginas rosa e largas do texto abrem o mundo à imaginação pictórica, onde cada um poderia pintar espacialmente esse mundo, como muito bem entendesse.

Era um mundo de danças e sem sofrimento, onde o tempo não podia medir-se e onde as flores (...) pareciam rir e os pássaros prolongavam, no seu canto, o eco de tanta felicidade". Ah, as flores, essas eram brancas, simbolicamente puras e ingénuas, como era todo aquele mundo de ilusão subtil.

Contudo, como na vida real, estes mundos de felicidade permanente nunca existem, tal como não existem elefantes cor-de-rosa ... Assim, o elefantezinho tem que dar simbolicamente um salto para a frente, para o desconhecido, e parte na cauda de um planeta à exploração do espaço.

Onde poderá viver? O que poderá fazer? O mundo como ele conhecia morreu, ele estava sozinho! Restava-lhe a nossa TERRA, a nossa realidade vulgar, onde os elefantes são presos "(...) dentro de jaulas, que são uma espécie de gaiolas".

A fuga à realidade parece impossível no mundo empírico-histórico factual mas, até nesse, a mensagem de esperança vem daqueles cuja aceitação da alteridade, do outro, é mais fácil de ser conseguida.

As crianças, com a sua inocência e fantasia, aceitam até a mais inverosímil cor do pequeno elefante e é lá, na sua imaginação, que ele escolhe viver para sempre!

Autor-Luísa Dacosta
Ilustrador - Armando Alves
Editora - ASA

02 agosto, 2008

As Estrelas do mar e o Peixe Prateado juntos de novo!

francisco+fernandes+002.jpg (image)
" A coisa comprida e negra abriu a grande boca e dela saiu um líquido preto que tingiu o mar... E o mar ia ficando cada vez mais escuro."

Nesta história o Peixe Prateado espanta-se com a falta de amor para com a natureza! Para ele a natureza ama-se, sente-se e vive-se... Para ele a natureza é amor como alteridade e reciprocidade. Ela proporciona-nos a vida, o que implica pois amá-la porque, a interdependência e a sobrevivência conjuntas interagem cada vez mais.
Esta história leva-nos a relembrar um outro conto, daquele escritor chileno Luis Sepúlveda. Neste seu conto:" História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar" ele diz-nos também, através da personagem kangah, que:
Acontecem no mar coisas terríveis. Às vezes pergunto a mim mesmo se alguns humanos enlouqueceram ao tentarem fazer do oceano uma enorme lixeira. Acabo de dragar a foz do Elba e nem podem imaginar a quantidade de imundície que as marés arrastam. Pela carapaça da tartaruga! Tirámos barris de insecticida, pneus e toneladas das malditas garrafas de plástico que os humanos deixam nas praias”. (Sepúlveda, 1996:85)
Aqui, tal como no livro de Francisco Fernandes, não se coloca a questão do legalismo, se é permitido ou não deitar lixo para o mar, mas sobretudo se o outro, a natureza, é considerado como entidade relacional imbuída de alteridade que interage cooperativamente com o eu humano.
O Peixe Prateado deixou de ver: " Não vejo nada e a água do mar está a ficar com um gosto muito estranho e mau!" e por pouco que não morria imerso no crude derramado por aquele petroleiro, tal como a gaivota Kengah, no livro de Sepúlveda:
“ (…) estendeu as asas para levantar voo, mas a espessa onda foi mais rápida e cobriu-a inteiramente. Quando veio ao de cima, a luz do dia havia desaparecido e, depois de sacudir a cabeça energicamente, compreendeu que a maldição dos mares lhe obscurecia a visão.”
Os dois ficaram momentâneamente cegos pela escuridão e foi-lhes portanto negada a sua participação na vida, por causa de uma visão reducionista da realidade que sobrepõe o interesse de uma espécie, à visão partilhada dos recursos terrenos porque, entre todos os seres viventes, (homens animais, plantas, minerais e vegetais) não existe uma experiência física e espiritual, que sem deixar de ter em conta a diversidade, valoriza a união do observador e do observado, formando um nós colectivo.
Como Savater (1993:35) nos pretende alertar: "É pelo conhecimento que nos consideramos livres e homem livre é aquele que quer sem a arrogância da arbitrariedade. Crê na realidade, quer dizer, no elo real que une a dualidade real do eu e do tu."
A relação de alteridade e de reciprocidade tem sido destruída pelos humanos e a natureza sofre com isso. Como último recurso Dias de Carvalho (2001:24) refere que é necessária uma :” educação cívica (...) dos direitos e dos deveres que erige como objectos de acções responsáveis prioritariamente outros indivíduos; por outro, e em simultâneo, uma educação dos direitos que acentua as prerrogativas dos outros relativamente ao próprio. (…) Um para o outro, eis a estrutura do sujeito que, lhe confere, através da responsabilidade, a dimensão do humano".
E acrescenta que se impõe cada vez mais a: “A solidariedade e a tolerância (...) como valores universais da chamada “sociedade planetária”. Insinuam-se mesmo como seus fundamentos éticos no âmbito de uma relação com a sociedade e com a natureza que excede o nível de um mero compromisso moral da consciência”(Dias de Carvalho, 2000:101)





17 julho, 2008

Duas Estrelas do Mar e um Peixe Prateado

Autor: Francisco Fernandes

Ilustrador: Janine Fernandes

Editor: Associação de amigos do Centro de Expressões Artísticas


"Olá estrelas do mar!, respondeu o peixe prateado e continuou: “ Estou sozinho e vou nadando por aqui. Procuro amigos. Bem…na verdade eu nem sei bem o que é isso de ter amigos, acho que nunca tive nenhum, mas…”

É com este pequeno segmento que acabámos de citar que Francisco Fernandes abre a narrativa de Duas Estrelas do Mar e um Peixe Prateado.

Tratando-se de um autor madeirense, já com alguma produção no campo da literatura de recepção infantil, Francisco Fernandes revela, no texto que estamos a compartilhar, conhecer profundamente um dos problemas com que a humanidade hoje se confronta: o isolamento, num mundo globalizado.

Nesta história conhecemos um Peixe Prateado, personagem e herói principal de uma história de amizade, que nos faz ingressar na vida simples de um peixe e da sua incapacidade de se assumir como amigo de alguém. Contudo, por circunstâncias várias do destino, encontrou as estrelas do mar que, sem banalidades discursivas, lhe falam da amizade incondicional e da sua dinâmica criativa, relacional e convivial que implica a mobilização de sentidos perante a vida.

Este tema da amizade, tão comum nos livros para crianças mais pequenas, faz-nos antecipar propostas de alteridade e reciprocidade que nos remetem para as desastradas relações humanas tão separadas, divididas e destruídas apesar de, muitas vezes, tão próximas virtualmente, pela força das tecnologias que nos resguardam de confrontos connosco próprios.

Lembramo-nos de Leonardo Coimbra (1915:105) quando diz que o mal, é a ignorância dos outros, é a queda, a morte como separação, contrária à relação amorosa. Nesta perspectiva, a ignorância dos outros é que constitui o inferno. (Pereira, 2000:129)

O Peixe Prateado estava no seu inferno, sem amigos, e por isso desejava desesperadamente ter alguém com quem partilhar o seu caminho. As estrelas, símbolos de guias espirituais que cruzam os céus/mares ensinaram-lhe a forma de tornar a sua aspiração possível. Ao porem-se em com – tacto com o peixe devolveram-lhe a humanidade perdida permitindo-lhe compreender que os actos de conhecimento do outro, do mundo e do universo são também e acima de tudo actos de estima e de atenção carinhosa, que lhe vão possibilitar encontrar-se com ele próprio e com os seus mais recônditos receios.

No final da história, o Peixe Prateado já sabia o que era ser amigo e tinha interiorizado também aquele sentimento extraordinário, que só a língua portuguesa consegue inteiramente transmitir:

“Agora que já somos amigos…acho que já sei o que é sentir saudades…”