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29 novembro, 2007

Viagem à Flor de um Mês


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: André Letria
Editora: Campo das Letras
Ano: 2002
ISBN: 972-610-539-0



Nesta obra poética encontramos o dialogismo entre Pai e Filho na exuberância de um afecto com indicadores de predestinação, onde o recurso à memória como repositorium de lembranças é pilar de sustentação e de perpetuação temporal.
É no espaço de registos do real materializado na “última folha do álbum/como se ali tivesse acabado um tempo/para começar outro (Letria, 2002:5) que uma voz infantil em aprendizagem, vai insistindo nas questões que permitem o deambular pelos instantes de metamorfose do indivíduo detentor de maior experiência do mundo, representante de um olhar atento e crítico, circunscrito na complexidade metafórica.
O discurso poético, embrenhado de imagens que formam uma teia simbólica regida pelo predomínio dos afectos como energia imprescindível à prossecução da complexa “viagem à flor de um mês”, demarca o fio do tempo, enquanto continuum de acções, observações e intuições, onde o recurso a aspectos disfóricos encontra a justificação para a mudança: “um tempo de toalhas/ no bafio das arcas, um tempo/ de andar pé ante pé/ no silêncio dos quartos/ sem portas nem janelas (Letria, 2002:6).
Emerge desta construção poética a expectativa da espera apontada a patamares de compreensão que extravasam o sensorial: “Filho, tu vinhas a caminho/ por uma estrada feita de luz e de espuma/ (…) e eu não sabia se eras pássaro, se eras onda/ se eras riso, se eras dança” (Letria, 2002:6). No entanto, o efémero temporal regista-se com intensidade na exaltação de cada momento partilhado por esses dois seres, que se enlaçam numa interacção quase transcendental, onde o tempo é mensurável na dimensão psicológica dos afectos e do primeiro sentido da liberdade. “Filho, ficou-me pouco tempo/para te ver crescer” (Letria, 2002:14); “Pai, eu tenho a idade desse mês/ a pressa que esse mês/ tem de dar fruto” (Letria, 2002:33).
De facto, esta poesia aparentemente destinada ao público infanto-juvenil reclama outros olhares que cruzem ou desconstruam a complexidade que a tece, entre a intimidade familiar onde a sabedoria se eleva e a emergência de perpetuar o simbolismo de um “mês/ chamado Abril/ que tem perfume de onda, /de alfazema e erva doce/ e a claridade dos sonhos” (Letria, 2002:43) se destaca.


Teresa Macedo
macedo.mariateresa@gmail.com

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