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23 junho, 2008

Amadeo e o Mundo às Cores

Autor: Losé Jorge Letria
Ilustrador: Chico
Editora: Ambar
Ano: 2007


Percorrer esta narrativa ficcional sobre Amadeo de Souza-Cardoso (1887/1918), pintor, é encontrar um conjunto de símbolos que captam a atenção do jovem leitor para a observação crítica da realidade e inserem-no nos paradigmas que o levam à compreensão das ideologias de uma determinada época, apontando-as como fenómenos que podem determinar a evolução de uma sociedade.
Usando estratégias reveladoras dos destinatários preferenciais, sobressaem as grandes linhas orientadoras que traçam o perfil humano, artístico e psicológico da personagem destacada, inserida numa época que não lhe facilitou poder dar visibilidade e ver reconhecida a sua criação artística.
Adequando a narrativa ao mundo infantil, o narrador não deixa de incluir nesta ficção biográfica uma entidade feérica que acompanha todo o percurso de Amadeo: está presente no seu nascimento, visita-o durante o sono, é anunciadora dos obstáculos que surgem no percurso incompreendido do artista e chora a sua morte, assumindo uma atitude humanizada na medida em que lhe é impossível impedir o desaparecimento do amigo. Assim, esta Fada introduz o conceito de Fados ou Destino em que a lei natural sobressai como condição obrigatória para o cumprimento da demanda do herói, em lugar de ser atribuído aos seres sobrenaturais o domínio do seu percurso.
Este fenómeno pode derrogar as expectativas do pequeno leitor habituado a ver as fadas com os seus objectos mágicos a resolverem os problemas das personagens, mas aproxima-os na noção de Realidade, dando-lhes a perceber que o acesso à condição de herói se faz por etapas, em demandas exigentes onde o inconformismo ideológico e psicológico surgem como motivação intrínseca para a construção da humanidade autêntica.
Este livro é uma proposta de leitura para todos os que gostam de ler sobre grandes vidas e para aqueles que gostam de dar a ler textos em que essas vidas são ficcionalizadas com arte bastante para que as crianças acedam com facilidade aos ideais, que mais não são do que a sombra projectada pelos ideais assumidos pelos heróis.

Teresa Macedo

05 junho, 2008

COLÓQUIO Padre António Vieira

Terá lugar no próximo sábado, 7 de Junho, na Aula Magna da Faculdade de Filosofia, o COLÓQUIO Padre António Vieira.
Pela figura marcante que se evoca; e pelavariedade dos participantes, com conferências e comunicações, valerá a pena assistir.
Inscrição: 15 euros

01 junho, 2008

Ciclo das fadas (IV) - A Fada Oriana

AS FADAS
As fadas...eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, à beira do mar...
Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder...
(...)
Antero de Quental

A fada Oriana de Sophia de Mello Bryner Andresen era também, como a fada de Antero de Quental, uma fada que vivia "dançando nos campos, nos montes, nos bosques, nos jardins e nas praias."(Andresen, 3) Aliás quase toda a mística das histórias de fadas se desenrola nalguns destes lugares. As fadas nunca vivem aprisionadas, fechadas, escondidas. Elas vivem na natureza, são divindades da natureza associadas especialmente às árvores, aos bosques, às águas das fontes e às flores de jardim.
A fada Oriana, como o próprio texto nos diz, é uma fada boa, bonita, alegre e feliz, a quem um dia a Rainha das Fadas incumbiu a tarefa de cuidar de uma floresta, bem como de todos os homens, animais e plantas que ali viviam. Ela era a fada madrinha de uma pobre velha, de um pobre lenhador e de um pobre moleiro. O mundo exterior (macrocosmo) e mundo humano (microcosmo) estavam a seu cargo e devido a isso foi-lhe permitido usar das suas asas e da sua varinha de condão.
Segundo Chevalier (1999:67), as fadas representam simbolicamente a capacidade que o homem possui para construir, na imaginação, os projetos que ele próprio não pode realizar. De facto, a suprema capacidade de ajudar e cuidar dos outros - sejam eles coisas ou animais - a devoção da ajuda é das tarefas mais difíceis de ser conseguida pelos seres humanos pois "Parece evidente que os homens são levados, por um instinto ou predisposição natural(...)" (Hume.76)
Ao salvar um peixe da morte conseguiu ver o seu reflexo na água e achou-se muito bela e a paixão pela sua beleza empurrou-a para o mundo real, empirico-histórico factual onde o desprezo e o abandono do outro são apanágio da condição humana."Ao voltar-se sobre si própria, sobre a sua imagem física, num explícito movimento egocêntrico, ao qual não falta, inclusivé, a contemplação narcísica nas águas "(Silva, 2) deixou de visitar o poeta e, um por um, foi abandonando todos os homens, animais e plantas que viviam na floresta, à sua sorte.
O castigo, para esta fada, foi sair do paraíso, simbolizado pelos dois objectos que caracterizam as fadas: a varinha de condão e as asas, que lhe foram então negados não os podendo nunca mais usar. Também lhe foi vedado o contacto com todos os seres e animais que aliás, há muito tempo, já tinham partido para longe. Também o poeta, o único ser humano que a podia ver, entrou em estado de tristeza total, ao ser privado do seu contacto e do contacto com a natureza que o nutria de força espiritual.
Ao apartar-se do seu destino primordial e seguindo um caminho manifestamente diferente para o qual tinha sido fadada, "Oriana debate-se numa tentativa sofrida de religação e de reabertura generosa às restantes personagens, procurando repor a ordem inicial e redimir-se do mal provocado (...). (Silva, 3)
O altruismo superou o egoismo assim como o espaço natural predominou sobre o espaço urbano, local onde em última instãncia, vivem nos dias de hoje, todos os males do mundo. Oriana descobriu que "O Mundo só está vivo para a pessoa que desperta para ele. Só o relacionamento com os outros nos desperta do perigo de deixar nossa vida adormecida." (Bettelheim,1976:134)

31 maio, 2008

A Coragem do General Sem Medo


Autor: José Jorge Letria
Ilustradora: Evelina Oliveira
Ano: 2008
Editora: Campo das Letras



Esta narrativa constrói-se através da actuação de uma teia genealógica que, sustentando-se nos pilares fortíssimos da memória, se movimenta num espaço naturalmente edificado, que afasta intencional e deliberadamente esta ficção biográfica do lugar-comum da expressividade, corroborando a iconografia pictórica para expandir, junto dos seus leitores, as dimensões plurissignificativa e polissémica suscitada pelo texto, que faz emergir um dos “temas e figuras da História portuguesa” (2008:36).
A capacidade retrospectiva de um dos intervenientes desta ficção historiográfica – o Avô - contextualiza o enredo, aproximando-o o mais possível de aspectos factuais onde o Conhecimento surge como um capital simbólico que tende a tornar-se absoluto devido a ter sido presenciado e vivido com a “curiosidade infinita de quem quer descobrir o mundo” (2008:9), assumindo-se nesse papel o “neto Gonçalo” (2008:8).
A dinâmica coloquial intergeracional vai construindo o percurso de Humberto Delgado – o General sem Medo – assim designado devido à “coragem que (…), sempre demonstrou (…) sabendo que iria pôr a sua liberdade e até a sua vida em risco” (2008:15), apontando o narrador, nas datas e nos locais, as conexões ao real com o rigor que se exige nos relatos históricos.
Por outro lado, as vozes ficcionais demarcam os registos ideológicos de todos os intervenientes, assinalando os medos, os anseios, os sentimentos negativos, as crenças e as dúvidas, induzindo ao exercício de uma cidadania crítica construída através do saber pensar, questionar e agir.
Se “Gonçalo ficou a pensar no relato feito pelo avô” (2008:18), encontramo-lo no instante da interioridade por excelência – o espaço do sonho – a assimilar os paradigmas simbólicos que o General sem Medo representa em todo o enredo e a liderar o processo de construção da sua aprendizagem numa Escola enunciadora dos tempos mudados, onde a pedagogia colaborativa está representada nas acções dos alunos, na mediação da professora e na atitude participativa da família.
Os componentes emotivos gerados pela interlocução que a criança efectua com a professora (2008:22-25) acentuam mudanças significativas na atitude do adulto que medeia o Saber, sendo visíveis os ensinamentos que anunciam um interior motivado para o exterior real.
Tal facto, incrementa a valorização de Humberto Delgado que, mesmo “tendo em conta as dificuldades e fracassos da fase inicial da sua vida” (2008:36), encetou a busca por um ideário de Liberdade, chegando “até onde ninguém fora antes” (2008:36), surgindo nesta ficção biográfica como um herói que os mais novos tomarão como símbolo da condição do Homem que trespassa as barreiras do real, posicionando-se no lugar “muito distante e luminoso onde se devem sentar todas as pessoas de bem” (2008:39).

Teresa Macedo

22 maio, 2008

Ciclo das Fadas(3) - A Fada Atribulada

"Como pode uma fada tão pequena criar confusões tão grandes? A sua varinha está torta, as suas asas estão cheias de fita-cola e os seus truques causam sempre confusão! Mas é a fada mais querida de que há memória!" lê-se na capa do livro "A Fada atribulada - Uma Competição Mágica".
E aqui temos nós mais um livro, em que a personagem principal é uma fada! Mas esta, ainda anda na escola, onde a professora Asafirme dirige as suas alunas com amor, sem as deixar desviar, um segundo que seja, das suas obrigações. Contudo, a Fada Atribulada nem sempre está disposta a fazer as actividades da escola das fadas com diligência: " enquanto vestia o uniforme cor-de-rosa e calçava os seus sapatinhos de fada" pensava como "agora as aulas difíceis iam recomeçar!"
As histórias de fadas lembram-me sempre Nietzsche (1872) e a sua relação entre ciência e mito. Ele diz-nos que o aniquilamento do mito determina a expulsão dos poetas da República. Por poetas ele queria dizer os sonhadores, os criadores de utopias, e todos aqueles que carregam a chama do reencantamento. Reencantamento não como uma volta a um passado, mas como uma restauração ideal que reaproprie o presente, naquilo que o presente ofereçe como possibilidade de encanto. As fadas e as suas histórias são isto mesmo! Uma restauração da inocência perdida que todos buscamos e nem sempre sabemos encontrar!
O que queremos dizer com isto? Que muitas vezes o sentido que enunciamos ficou vazio, razão pela qual é necessário reencontrar a verdade da palavra: a união da palavra com a coisa enunciada. Daí a plenitude da poesia e do poder da palavra que as fadas, com a sua varinha de condão, tão bem sabem usar para fazer acontecer os nossos mais ínfimos desejos! Mas para isso, é necessário virar o mundo de cabeça para baixo. ..para podermos encontrar, outra vez, a sensação mágica das coisas.
Quanto à Fada Atribulada, da nossa história, ela ganhou as Olímpiadas das Fadas, que moravam na casa da árvore! Ela teve que saltar, pular, andar a cavalo, trepar pela corda, sempre com a Fada Arrepiada no seu encalço, a pregar partidas de toda a ordem! Os obstáculos vivenciados fizeram contudo da Fada Atribulada uma verdadeira FADA , que usava a sua arte como um exercício sensitivo e intuitivo, para uma nova forma de perceber, estar e pertencer ao mundo, tudo isto ligado a uma busca de soluções para os problemas que nos atropelam e ameaçam a nossa própria sobrevivência.
Termino este pequeno texto, sobre esta fada, que nos remete, como todas as fadas, para os mundos imaginários, apoiados nas raízes do passado e na criatividade do presente e que resgatam poéticas que dão um sentido à vida pela alegria, pelo lúdico e pela imaginação.

20 maio, 2008

Como se fazem as histórias?

Decorrem, na 6ª feira, dia 23 de Maio, pelas 15h00, na Sala de Actos do Conselho Académico (campus de Gualtar, Braga), as provas de Mestrado em Estudos da Criança - Análise Textual e Literatura Infantil, requeridas pela Lic. Rita Simões, subordinadas ao tema Como se fazem as Histórias? Os Exercícios de Metaficcionalidade em Obras Narrativas de Literatura Infantil Portuguesa Publicadas entre 2000 e 2006.

O Capuchinho Vermelho em debate

Decorreram, no dia 13 de Maio passado, com pleno sucesso, as provas de Mestrado em Estudos da Criança - Análise Textual e Literatura Infantil, apresentadas pela Lic. Mariana Couto, subordinadas ao tema O Capuchinho Vermelho: os Novos Sentidos de uma Velha História.

14 maio, 2008

Ciclo das Fadas (2) - As fadas do vento de Anna Dale

Alguém já se imaginou numa história voando pelos céus, em Londres do século 20? Bom, a história desta escritora britânica conta-nos como Joe, um rapazinho normal, surpreende todos quando conhece e convive com Twiggy, a sua amiga inseparável. Juntos vão resolver o mistério do desaparecimento de uma página do livro mágico e, nessa sua demanda, tornam-se inseparáveis e verdadeiros amigos.
Contudo, muitas vezes, Joe deixa a sua amiga em perigo, embora ela nutra por ele verdadeiros sentimentos de lealdade. Empurrado por impulsos destrutivos do seu inconsciente, Joe não percebe que, frequentemente, o perigo é real e verdadeiro, vindo ora do mundo empírico-histórico factual ora do mundo imaginário.
Mas, Joe reconsidera e ao compreender que deixou Twiggy realmente em perigo volta a correr para a salvar.
Neste livro, as fadas do vento têm um papel leve como a brisa. A sua presença, sempre suave e subtil, percorre o texto para nos lembrar que as suas palavras mágicas são sempre escutadas por quem tem ouvidos de criança. São elas também que nos dão “os nossos poderes mágicos” (2004:190) que são as nossas capacidades de lutar sempre o bom combate, pelo lado da verdade do bem e do belo.
Contudo, as palavras mágicas são apenas “murmuradas …aos poucos escolhidos…”.
Os que não fazem parte deste mundo, do outro lado do espelho, pensam que “… o poder de um grande intelecto… “ pode suplantar “a magia das fadas do vento e silenciá-las para sempre e libertando o mundo da magia”. (2004:191)

13 maio, 2008

Meu Portugal Brasileiro


Título: Meu Portugal Brasileiro
Autor: José Jorge Letria
Editora: Oficina do Livro
Ano: 2008

O romance histórico, recentemente editado, do escritor José Jorge Letria, autor que nos habituou a uma publicação regular de obras destinadas ao público infanto-juvenil, vem preencher um lugar de relevante importância no contexto da sua abundante produção literária, onde o destinatário adulto poderá encontrar conteúdos onde o Real e o Ficcional se entrecruzam, promovendo a compreensão de factos que, devido à sua complexidade e distanciamento temporal, doutra maneira estariam mais arredados da maioria dos leitores.
O Eu narrador, interveniente e espectador, toma a seu cargo a fidelização da factual transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1807, tecendo a trama de um enredo povoado por múltiplos rostos, onde a representação da infância não passa despercebida.
Com efeito, no meio da turbulência da partida, “nessas horas de aflição e de incerteza” (2008:37), encontramos as crianças “excitadas pela emoção do embarque (…), entusiasmadas com a possibilidade de irem conhecer por dentro navios de guerra” (2008:37) e, durante a viagem, “a brincar no convés com pedaço de cordame e inventando jogos com coisa nenhuma, usando apenas esse verdadeiro tesouro humano que é a imaginação” (2008:48).
Esta referência à Criança enquanto ser construtor e imaginante, inserida num contexto disfórico, acentuam o vínculo afectivo doado pela focalização narrativa onde os mais novos se destacam na sua capacidade de adaptação às contrariedades da vida, opondo-se aos representantes do mundo adulto menos receptivos a “lidar com a dureza da realidade” (2008:65).
De facto, no meio de uma agitada turbulência social e política inscrita na historicidade de Portugal e do Brasil, o porta-voz da narrativa deixa emergir um afecto especial por todos aqueles que ficaram mais arredados dos registos históricos, mas que não deixaram de participar, sofrer, agir e interferir nas transformações factuais e ficcionais, actuando junto dos principais intervenientes. O papel desempenhado pelas mulheres comuns que, por oposição às representantes da Corte, assume um estatuto de respeito, de abnegação e de orientação espiritual é disso um exemplo. Leonor, “amante das letras e das ideias novas” (2008:20), Marília que gostava de “ler e de ouvir música e tinha um gosto requintado e exigente” (2008:147), espírito antiesclavagista e partidário da independência do Brasil e Jandira com o seu “dom feiticeiro de enxergar o que os olhos não conseguem ver” (2008:111) são presença e grandes pilares de referência, representantes de um movimento de abertura ao Conhecimento quando se temia este poder nas mãos das mulheres.
O Povo é o rosto colectivo da eficácia simbólica, pois nomeado na degradante situação doada pelo abandono político, representa um Portugal de “espectros e de lamúrias” (2008:125) que só encontra eco da sua condição na histeria e na loucura de D. Maria, que entendia aquela viagem “uma traição à pátria” (2008: 25).
Desta forma, todos aqueles que, não sendo detentores de uma voz poderosa, ganham na ficcionalização um novo estatuto, onde se corporizam os valores emergentes de sempre, apoderando-se de condições que os incluem nos lugares de destaque e de grande observação discursiva, tal como acontece com os escravos, “portadores de saberes muito antigos, vindos do interior da África tribal, onde aprendiam, praticamente desde a hora do nascimento, a ler os sinais que a Natureza tinha para lhes transmitir” (2008:120).
Todos estes rostos são moldados por um artífice hábil em manusear a palavra, que tem o poder de descrever o ínfimo comportamento e de definir os múltiplos sentidos em domínios onde a poeticidade, a ironia e a cientificidade andam entrelaçados.
Se a estratégia de corporizar num narrador a vivência e a percepção de uma realidade multifacetada exerce um efeito dominante nesta ficção historiográfica, estas personagens conferem à narrativa um carácter integrador e valorizador dos que socialmente não são tão destacados e reflectem um acto de criação onde todos os aspectos da mundivivência humana são observados.
A circularidade da demanda do Eu da narração e o contorno das provações que põem termo ao distanciamento de um filho que nunca viu, encontra na exaltação do onírico a força cósmica capaz de doar o equilíbrio à sua interioridade, balizada por princípios axiológicos de permanente abertura à Alteridade, à Liberdade e ao Afecto dedicado a D. Pedro que “ se tornaria imperador de um país soberano” (2008:206).
Sem dúvida que José Jorge Letria ostenta, neste romance, a mestria de quem já percorreu múltiplos géneros literários, traçando as constelações semânticas que vinculam o mundo ficcional e o histórico-factual numa construção de excelente qualidade literária, da qual se deixam aqui alguns registos como convite a umas horas de fruição e de leitura.

Teresa Macedo







25 abril, 2008

O Ciclo das Fadas (1) - As Fadas Verdes

Para iniciar o ciclo das fadas, trazemos aqui um livro de Matilde Rosa Araújo: As Fadas Verdes.Mas antes, não podemos deixar de referir e lembrar Albert Einstein,quando nos ensinou que: "If you want your children to be intelligent, read them fairy tales. If you want them to be more intelligent, read them more fairy tales." De facto, inúmeros escritores, poetas, cientistas, psicólogos e pedagogos têm referido a importância do Imaginário na vida dos seres humanos pois a sua ausência amarra as imagens no tempo e no espaço e consequentemente aprisiona o sentido e os sentidos da vida.Pelo Imaginário, descobrimos a verdade. Não aquela que vem de fora para dentro, mas como dizia Poirot, esse detective extraordinário inventado por Agatha Christie, "...a descoberta da verdade tem de vir de dentro para fora e nunca de fora para dentro." (Christie, 1824)

Alguns já nascem com uma capacidade exponencial de construir imaginários, e daí resultam personalidades marcantes na vida artística , literária ou científica. Todos nos lembramos de Leonardo D'Avinci e dos seus desenhos visionários e futuristas, de Shakespeare e da sua capacidade de teatralizar com refinada sofisticação a natureza humana, de J.R.R. Tolkian e da sua criação de mundos ou universos alternativos e de Fernando Pessoa e da sua multifacetada criação de outras vidas imaginárias, através dos heterónimos. Tanto eles como outros, com a sua percepção crítica e arguta da realidade, catapultaram a mesma, para os patamares mais altos da actividade humana que é a Imaginação criadora Artística.

As fadas, esses seres que povoam o nosso imaginário colectivo, permitem-nos também, com a sua simplicidade, chegar a esse supremo nível de aprendizagem artística que é o " Olhar para lá das aparências, e dar o salto para o lado de lá ... para chegar à raiz ... para onde se joga a poesia ou o novo sentido das coisas". (Meneres, 2003).Elas garantem-nos, em última instância, que há maneiras diferentes de ver o mundo, formas inovadoras de sentir o aqui e o agora, como contemporâneos uns dos outros, sentindo que as dificuldades podem ser vencidas, as florestas atravessadas e os caminhos de espinhos cortados.

As fadas pacificam-nos, instigam-nos a olhar para a natureza, para o verde das plantas, das árvores, das folhas e que por serem dessa cor verde, matizada de vários tons, misteriosamente ressoam a refúgio de esperança, nesta nossa existência, que se diz a curto prazo e para a qual não sabemos "... what tomorrow will bring... " .(Pessoa, 1935)

Esperamos, com a leitura das Fadas Verdes e ao iniciar este Ciclo das Fadas, saborear a sua magia ao alcance do pensamento e também "... divined the potency of the words, and the wonder of things, such as stone, and wood, and iron; tree and grass; house and fire; bread and wine." (Tolkian, 1939)

13 abril, 2008

Mozart, o menino mágico


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: Gabriela Sotto Mayor
Ano: 2006
Editora: Ambar
ISBN: 972-43-1102-3



Associo à leitura desta narrativa o poema “O essencial está na música” do mesmo autor, pois a correlação intertextual que se estabelece é íntima no conteúdo e no poder metafórico da linguagem que neles se patenteia, revelando um poeta/narrador conhecedor profundo do “horizonte da música ( 2006:12) e com uma sensibilidade rara à “matéria cantante de que é feita” (2003:397), matéria que se evoca e regista na ficcionalização biográfica de “Mozart, o menino mágico”.
Enunciaria, ainda, a subtileza com que esta narrativa define o destinatário preferencial que, longe de o perspectivar sob um prisma de reduzida competência hermenêutica, dá-lhe mecanismos para decompor a polissemia de alguns termos que são apresentados no espaço cénico da casa, ou seja, o lugar do devaneio (Bachelard, 2003), que a leitura desta obra poderá realizar.
Com efeito, uma “janela” voltada para a “rua” anuncia a “lonjura dos caminhos” (2006:14), que demarcará o percurso predestinado e ascensional de “Amadeu”, menino detentor de uma existência bipolarizada entre o prodigioso e precoce domínio “da música que nasce, irrequieta, dos seus dedos” (2006:14) e um desenvolvimento psico-emocional que o inclui ao longo de todo o acto narrativo na permanência na infância. O facto de ser “sempre menino” (2006:18) confere-lhe um sentido Divino associado à mitologia poética, que observa a infância como uma idade sagrada, miraculosa e sublime, potente e misteriosa, pois encerra o segredo de uma capacidade que o faz “mestre”, instintivamente apaixonado pela música que “abraça o corpo esquivo da palavra” (2003) e é “balanço subtil da alma dentro do texto” (2003).
Ele corporiza um plano imanente que se vai revelando na afirmação das forças que movem a encarnação individual e as directrizes mítico-simbólicas que se lhe associam, configurando-o como um guia imbuído de qualidades superiores, capaz de edificar o cosmos onde se integra: “ele é o único habitante capaz de pôr ordem nesse universo, de lhe dar harmonia, sentido e voz” (2006:30).
Mozart simboliza o “si-mesmo” da harmonia psíquica pois, tal como os deuses criadores do mundo, é capaz de reunir os opostos com total autonomia e liberdade. Concretiza a vivência infantil no acto de tocar, desvinculando-se dos objectos tradicionalmente usados na infância, reactualiza a sua condição de criança ocupante de um mundo adulto, não deixando, porém, de exercer, através da mimese, a ligação a esse mundo: “às vezes, lembra-se que ainda é menino e em vez de música deixa uma pirueta, uma careta na lembrança dos cardeais e duques” (2006.18).
Perante este deambular interior por universos distintos, só no onírico é que concretiza a percepção do real, observando que o triunfo “é um tapete de espantos e vénias que se desenrola a seus pés” (2006:22), porque o milagre da criação não lhe deixa tempo senão para compor “sempre, com uma pressa só igual à de quem corre contra o tempo” (2006:29). Sem dúvida que a vida plena e exaltante encontra no limite temporal a grande barreira que “lhe magoa o peito” (2006:37), porque uma “vida inteira (…) seria breve para toda a música que tem dentro da sua cabeça” (2006:37).
Ambos os textos assinalam a “dimensão trágica do Requiem” (2003) e nos dois há um “pássaro”, símbolo dos ambientes sombrios, nictomorfos, acolhedores do sofrimento e da resistência à Morte. Desta forma, Mozart, a “eterna criança” prepara a sua desencarnação da matéria e a ascensão ao lugar da perenidade da memória. Aqui, e no registo deixado na construção ficcional desta biografia, encontrará o território onde, por excelência, a redenção se efectiva e que, tal como a música, “ninguém a verá cativa/de um ofício de escrita que a ignore” (2003).
Teresa Macedo
Bibliografia:
Bachelard, Gaston (2003 [1ª Ed. 1989]). A poética do espaço. S. Paulo. Martins Fontes.
Letria, José Jorge (2003). O Livro branco da melancolia in O Fantasma da Obra II. Lisboa. Hugin, 397-398.

03 abril, 2008

Colóquio Internacional Educação, Imaginário e Literatura

Braga, 10 de Maio de 2008
Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva

Programa Provisório
10 de Maio Sábado

9h00 – Abertura
9h15 – Paolo Monttana (Universidade de Milão, Itália)
La pedagogia immaginale
10h00 – Pausa para café
10h30 – Painel: Literatura, Cosmovisões Simbólicas e Educacionais
Fátima Lambert e Cátia Assunção (Escola Superior de Educação do Porto)
Diferencialidades identitárias e culturais - Álvaro Lapa & José de Guimarães
Alberto Filipe Araújo e Lígia Rocha (IEP / Universidade do Minho)
O tema do Labirinto na obra de Lima de Freitas
Joaquim Machado de Araújo (IEC / Universidade do Minho)
Utopia, amizade e bem-estar
Orlando Grossegesse (ILCH / Universidade do Minho)
Levana (1805). As dimensões pedagógicas de “Jean Paul”
12h00 – Pausa para almoço livre
14h30 – Painel: Literatura Infanto-Juvenil e Imaginário
Fernando Azevedo (IEC / Universidade do Minho)
Voz e poder na literatura infantil
José Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa)
Imaginário e literatura: representações diabólicas da mulher
Gisela Silva e Teresa Martins (IEC / Universidade do Minho)
O Tema do Herói na Literatura Infanto-Juvenil: o redentor, mito ou realidade?
15h30 – Pausa para café
16h00 - Gonçalo Villas-Boas (Faculdade de Letras / Universidade do Porto)
Quando eu regressar, ela já não estará lá. A história de uma obsessão: a novela lírica de Annemarie Schwarzenbach
17h00 - Encerramento


Organização:
Centro de Investigação em Promoção da Literacia e Bem-Estar da Criança (LIBEC / Universidade do Minho)
Centro de Investigação em Educação (CIED / Universidade do Minho)
Departamento de Ciências Integradas e Língua Materna / Instituto de Estudos da Criança
Departamento de Pedagogia / Instituto de Educação e Psicologia
Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva

A entrada é livre, dando direito a um certificado de participação.

22 março, 2008

Percursos Leitores, Bibliotecas Escolares, Qualidade Educativa

O VI Seminário Internacional THEKA “Percursos Leitores, Bibliotecas Escolares, Qualidade Educativa” irá decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no dia 28 de Março de 2008.

Este Seminário, de frequência gratuita, insere-se no IV Curso THEKA (2007/2008) e destina-se a professores, educadores, bibliotecários e investigadores interessados no desenvolvimento das Bibliotecas Escolares / Centros de Recursos Educativos.

16 março, 2008

O pardal de Espinosa


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: Daniel Silvestre da Silva
Ano: 2007
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-71896-9



Este texto, obedecendo ao princípio da ficcionalidade, executa a construção biográfica de Espinosa, filósofo de “muitas ideias” (Letria, 2007:5) e polidor de lentes, potenciando a compreensão de um conjunto de valores que, subtilmente, emergem através dos matizes semióticos que vão elaborando uma “grande vida”, levando as crianças a ter oportunidade de contactar com um dos grandes vultos da modelização da humanidade.
Atendendo aos destinatários preferenciais, o enfoque projectado no pardal enunciado no título da obra atende aos ambientes cognitivos dos seus leitores, preparando-os para a observação atenta que este mediador gnoseológico delineará. Com efeito, encontramo-lo no decurso de toda a narrativa, tomando a seu cargo o desenho do perfil de Bento Espinosa, dando conta da sua trajectória existencial e das rotinas simples que compõem o quotidiano deste pensador. O dialogismo que se efectua entre estes dois seres, em muitos momentos, demarca a compatibilidade entre os representantes de universos diferentes que se entrecruzam, complementam, solidarizam na necessidade introspectiva e comunhão ideológica que preenche as diversas situações de solidão e de rejeição vividas pela personagem principal. “Espinosa não gostava da rigidez e da intolerância dos chefes espirituais daquela comunidade e nunca o escondeu” (Letria, 2007:18); o pardal era “livre, rebelde e incapaz de ter dono” (Letria, 2007:8).
O carácter lúdico associado à construção ficcional desta biografia importa substancialmente, pois permite que as crianças possam alicerçar o gosto pela cultura e pela filosofia reflexiva, fundamentando um saber inscrito na observação crítica da realidade onde o lugar para exercitar as questões que circunscrevem o entendimento do mundo se faz com graciosidade. Os vectores ideológicos deste herói que nunca “parava de pensar em Deus, na Natureza e no Homem” (Letria, 2007:24) e que entendia que “a compreensão do mundo é um problema de geometria” (Letria, 2007:28) são traçados nesta interlocução harmoniosa.
O espírito abnegado, a vida misteriosa e intuitiva constroem o herói que por meio de severas austeridades e meditação atinge a sabedoria que o faz receber “a visita de figuras ilustres do seu tempo, desde filósofos de outros países” (Letria, 2007:30) e pressentir que a hora da “fama e da imortalidade iria chegar, embora ele já não estivesse vivo para a desfrutar” (Letria, 2007:30).
Se houve pessoas que temeram “os ventos de liberdade e de mudança” (Letria, 2007:37) preconizados na obra filosófica de Espinosa, creio que a construção ficcional desta biografia destinada aos mais novos é a garantia de que essa “nova forma de pensar o mundo, a religião e a vida” (Letria, 2007:37) se perpetuará.

Teresa Macedo

15 março, 2008

Sonhos na Palma da Mão ou o Sonho do Poeta?


Eis um tempo de férias para os mais pequenos e mais jovens também. Aqui deixo uma sugestão de leitura feita do apelo ao sonho, à serenidade, à reflexão. Usem e abusem deste Sonhos na Palma da Mão, pois sonhar é um alimento vital e a nossa mão, quantas vezes apenas oca, não sabe o quanto é possível agarrar um sonho!
Texto: Luísa DaCosta
Ilustração: Cristina Valadas
(2007; 2ª ed. Asa Editores)
ISBN: 978-972-41-3654-7




A propósito da narrativa Sonhos na Palma da Mão (1ª Ed. 1990 pela Porto Editora; reeditada pela Asa Editores em 2004, 1ª Ed., e em 2007, 2ª Ed.), e por este ser um dos factos que a torna uma das minhas predilectas, direi que neste conto de polifonias várias o que nos encanta é, sobretudo, e tomando emprestadas as palavras de Cláudia Sousa Pereira o poder respirar «o tempo antigo da tradição» (2002: 24), cunhado na sensibilidade estética de um convite à leitura quieta mas cheia de murmúrios de onde se desprende um Imaginário profundo em sensações.
As palavras introdutórias assumidas em forma de prólogo justificam a temática poético-simbólica escolhida, bem como um título que em tudo lembra a noção do aconchego e do trato delicado. Tratar-se-á de uma dádiva talvez, ou apenas de um agradecimento sincero àqueles que, tal como Andersen, usando da palavra sábia e cristalina, nos deixaram um registo literário vasto na arte de encantar que, ainda hoje, povoa as muitas bibliotecas particulares e públicas dos vários continentes.
A abertura espontânea da narrativa convida o leitor a entrar numa atmosfera de frescura e delicadeza, onde parece ouvir-se o chilrear de um rouxinol vindo do outro lado do mundo, lá dos lados do Oriente. A sinestesia da cor, que irrompe do apelo ao sentido da visão, povoa, por inteiro, a página que nos fala da China e do seu rio Amarelo. Importa apenas aqui perceber o momento da absoluta resolução poético-literária, que é entregue à narradora enquanto momento de criação ao qual todo o leitor deve aspirar. O rio Amarelo é comparado a «um guache espesso de sol derretido, a correr entre as montanhas azuis (…)» adornadas por um verde bambu (2007). E de repente, surge-nos, trazida pela memória de uma menina, uma das mais belas histórias de Christian Andersen, onde a simplicidade se retrata na beleza do canto de um desbotado rouxinol que era bem superior a todas as outras incontestáveis belezas do maravilhoso palácio do imperador.
Era capaz de jurar que todo o conto de Andersen se encontra espraiado nesta narrativa na sua mais pura essência, adoptando, pela voz de uma narradora sensível, a postura de um conto buliçoso, irrequieto, e promotor na arte de se (re)criar num conto contínuo de reconto. E surgem, assim, as demais versões da menina que, confiante na bondade do rouxinol – poder-se-ia quase afirmar, ali, conotativamente reproduzido à luz do rouxinol de Andersen – imóvel, pousado no arranjo floral da avó que mais parecia feito por mãos sábias e delicadas no uso das agulhas e dos fios também eles mágicos, colocava no seu ninho árido e sem vida sonhos para ela sonhar, na promessa de os ver chocar (Cf. 2007).
Sonhos na palma da mão é mais uma narrativa da imaginação, lugar esse de entrega para a criança e de excelência para o inexistente, para a fuga, ou para o sonho perpetuado até ao infinito. O apelo quase diário ao sonho, dirigido mudamente ao pássaro calado, e encantado, sempre que a narradora dormia em casa da avó e naquele quarto: «– Passarinho, querido passarinho, pousa um sonho na minha mão!» (Cf, 2007) retrata, sem dúvida, o apelo multiplicado pelas várias vozes de meninos e meninas que querem ter o privilegio de sonhar e de saber fazer, tal como esta menina, crescer várias histórias a partir de uma valiosa outra história já ouvida.
A dicotomia entre conceitos é imensa e retrata a pequenez que também se dá a ler sem qualquer constrangimento, o que provoca na menina a resposta típica de um ouvinte atento e curioso, pois se a China é espantosamente enorme como pode dar pássaros tão pequeninos? Queira ler-se, por favor, a grandiosidade simbólica de um pássaro que não era maior que a falange do dedo polegar comparativamente a um país de tão grande dimensão. Seria normal que algo tão grande pudesse produzir seres tão pequenos? A questão é legítima, mas a narradora é perspicaz e, pela sua constante insistência na demanda do sonho, cria histórias, que vai pondo a chocar não sem antes preparar a cena no palco da representação da narração.
Apelando à reflexão do leitor, Luísa DaCosta manifesta-se, nesta obra de sonhos ao alcance de qualquer mão, sobre a importância de um imaginário feito à medida dos contos de fadas, onde o maravilhoso-feérico permite a ascensão da metafísica e do predomínio do “Era um vez”. Surgem, então, as histórias do crescimento, da metamorfose e da identidade, como as daquelas mulheres retratadas nas três histórias que o rouxinol ajudou a tecer na mente daquela fazedora de histórias, sempre que esta ia dormir na casa da sua avó.
Perguntam-me se é essencialmente uma obra de potencial recepção infanto-juvenil? A resposta parece óbvia. Para mim, contudo, ela afigura-se absolutamente dúbia pois, a escrita desta narrativa concretiza-se, não na indicação de uma faixa etária pré-estabelecida, mas, a meu ver, na compreensão do que é a verdadeira riqueza do pluri-isotópico configurado numa leitura individual ou partilhada.



Referências bibliográficas:

PEREIRA, Cláudia (2002). «Dar palavras, trazer memórias, soltar sonhos» – Os livros que Luísa DaCosta escreveu para a infância. In malasartes [cadernos de literatura para a infância e a juventude], pp.13-26.

Gisela Silva

19 fevereiro, 2008

Grandes Clássicos contados às crianças


Do teatro ao cinema e à banda desenhada os grandes clássicos da literatura têm sido profusamente adaptados, recriados e traduzidos. Figuras nascidas nas letras, como Dom Quixote, Vasco da Gama, Bewolf e Gulliver, entre outros, encontram-se hoje nas prateleiras de qualquer livraria e ganham novos rostos reinventadas por cartonistas, cineastas, ilustradores e escritores. Enquanto que, a maioria das vezes, tendemos a considerar as adaptações cinematográficas e de banda desenhada como novas produções estéticas, porque implicam uma nova linguagem utilizada (o filme e o desenho) já com as adaptações que utilizam o mesmo suporte (a escrita) somos mais comedidos nas apreciações, mais convencionais e tendemos a considerá-las, à priori, de menor qualidade.
A possibilidade de recriar textos numa tentativa de os tornar mais agradáveis sem que eles percam a sua essência é portanto o grande dilema das adaptações. Ninguém, hoje em dia, fora dos círculos académicos lê por exemplo, o “Bewolf”, escrito em inglês medieval com incidências germânicas nem o “ Paraíso Perdido “ de Milton com os seu versos brancos muito complicados sintacticamente, diz Sophii Gee, crítica literária do New Tork Times.
Sendo assim, será preferível encontrar novos formas de difusão, novos suportes, novas formas de ver, olhar ou mesmo escutar os clássicos da literatura?
Na nossa modesta opinião, as reescritas, criando um produto completo, não precisam ser um caminho para se chegar ao original que as inspirou, elas podem valer por si próprias. Tudo depende da qualidade de quem escreve a história, de quem ilustra a história, de quem dirige o filme ou de quem cria a banda desenhada. A arte é sempre apreciada por si própria e ela também é, ela própria, fruto de influências, intertextualidades, reescritas, memórias, ligações que se foram entrecruzando através dos tempos…
No caso das adaptações de grandes clássicos para Literatura Infantil e Juvenil as premissas são as mesmas no que respeita às perdas e ganhos. Perde-se agora o contacto com o autor original mas ganha-se o contacto com a essência da história. Esta, se foi bem recriada, proporcionará uma nova experiência estética através dos paratextos, estrutura, pontos de vista e personagens que, por sua vez, encaminhará o leitor para novos efeitos perlocutivos, para novas respostas pessoais e colectivas perante esta nova leitura.
A memória dos antigos é assim tirada dos alfarrabistas e é mantida viva, pois a reconstrução das suas histórias baseou-se certamente numa lealdade para com o novo leitor, mas também, sem dúvida, para com eles próprios.

18 fevereiro, 2008


Se identidade implica, um processo de diálogo com vista à recriação e reconstrução, através do texto, também poderá ser entendida como um processo de manutenção de determinados traços culturais e das relações que eles estabelecem com outras características culturais diferentes.Em “Making Sense” de Nadia Marks, escritora de origem cipriota criada em Londres, retrata-se a vida de uma adolescente que como ela teve que viver num país diferente: “Up until I moved to England, just three months ago, I knew exactly who I was, Julia Lemonides, fourteen years old, confident, popular, artistic, lively (…).” Em Chipre, Júlia tinha tudo: amigos, confiança, gloriosos dias de sol… agora em Londres teve que começar tudo de novo, sentindo-se uma outsider. O seu carácter fortemente determinado e o sentido de humor fizeram-na, aos poucos, recriar a sua identidade e adaptar-se ao novo clima e cultura, daquele país tão diferente e que ela tinha que abraçar por força das circunstâncias. Desta forma, podemos pensar o ensino da arte/literatura como um poderoso instrumento para revitalizar e resgatar a identidade, a diversidade e as singularidades culturais, na medida em que através destes percursos narrativos, se podem ultrapassar e romper barreiras ao mesmo tempo que se reflecte em torno dos princípios axiológicos fundamentais ao reconhecimento da alteridade, imprescindíveis ao constructo humano.Se a literatura como dizem Austin (1962), Searl (1983) e Iser (1978) se assemelha ao modo do acto ilocutório, “ (…) It takes on an illocutionary force, and the potential effectiveness of this not only arouses attention but also guides the reader’s approach to the text and elicits responses to it.” então, poderemos dizer que, a literatura infantil e juvenil tem uma ponderosa força perlocutória, impelindo à acção, apesar da manutenção do seu carácter ficcional. Assim, a leitura faz-nos reexaminar, por vezes, as convenções sociais e individuais perspectivando novas formas de estar e de sentir o mundo.

04 fevereiro, 2008

A Criatura Medonha – Novos Contos da Mata dos Medos, uma leitura de reverência e de reconciliação

Texto: Álvaro Magalhães
Ilustração: Cristina Valadas
(2007; 1ª ed. Texto Editores)
ISBN: 978-972-47-3686-0

ACONSELHADO a todos os que querem participar da verdadeira literatura para crianças e jovens

A propósito do 1º Congresso Internacional em Estudos daCriança: Infâncias Possíveis, Mundos Reais, que termina hoje, surgiu-me, e a propósito de uma simpática colega, que seria importante divulgar também no nosso blogue um texto que já foi publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, no dossier "Das Artes, Das Letras. Afinal, é nossa obrigação divulgar sempre e cada vez mais o que de tão bom se faz para as crianças e jovens. E adultos também!
A Criatura Medonha – Novos Contos da Mata dos Medos (2007, Texto Editores) é mais uma belíssima narrativa «simples (sem ser pobre) que trata de uma recuperação da beleza do insignificante e do banal», como o afirmou recentemente o autor numa entrevista ao Jornal de Notícias, conduzida por Agostinho Santos.
De braço dado com o singelo, somos levados por uma espécie de torpor, em tudo semelhante a um estado de enleio que nos sugere, o que Gilbert Bosetti (Cf., 1987) refere como um retorno à infância do indivíduo e, por conseguinte, da própria Humanidade. O arquétipo da infância pura, contemplado nos vários diálogos levados a cabo pelo Ouriço, que não abdica de «ouriçar de barriga para o ar», mas desta vez a rimar porque é uma coisa que acontece em «dias extraordinários»; pelo Coelho que continua a recear o dia em que o mar poderá engolir a Mata dos Medos pois, e como ele bem afirma: «– Isto já não é como outrora» (Magalhães, 2007:8); pela Toupeira, desta vez menos preocupada em cavar túneis devido à queda de uma pinha que lhe acertou prontamente na cabeça e lhe apagou parte das memórias, inclusive, o significado de palavras como «outrora»; pelo Chapim, companheiro titular das preocupações e da vontade de trabalhar; pelo Caracol que continua a querer viajar seja «para Onde for» «seja lá onde for» (2007:17) mesmo depois de ter visto o mar, remete o leitor para um diálogo universal cuja transversalidade é assumida por todos os seres.
Talvez por isso o desejo de satisfação e bem-estar que sentimos ao entrarmos, de novo, no recanto daquele pedaço de terra nos permita, sem qualquer esforço, aceder à própria temática da união cósmica através da apreensão da imagem da reconciliação universal entre o Eu individual e pessoal, o Eu colectivo e social, e o mundo ao qual pertencem. Imbuída numa teia de significados alheios ao que de mais belo possa haver, esta é uma das imagens que se vê, quantas vezes, contraída nas malhas apertadas de uma consciencialização forçada, logo, ausente do verdadeiro sentido da metamorfose reflectida e da reconciliação desejada entre o mundo animal, humano e até vegetal.
O amor pelo belo, e o culto pelo rigor estilístico-formal de palavras sabiamente alinhadas num contínuo reajustamento do exercício literário, onde a ambiguidade semântica permite uma polifonia constante, levam-me à redundância no que diz respeito à obra de Álvaro Magalhães. Vejo-me, pois, e de forma aprazível (entenda-se), obrigada a tecer novos elogios ao autor que sempre soube indicar-nos o caminho «para a Ilha do Tesouro (…) seja ela onde for» (Magalhães, 2005. 21), fazendo da sua arte uma nova arte na arte de encantar. A tónica dominante, à qual o autor já nos habituou, espraia-se, mais uma vez, em todas as páginas desta deliciosa narrativa e deparamo-nos – não direi surpreendidos, mas antes agradecidos – com a capacidade de deslumbramento que A. M. causa no uso da palavra registada com dedicação. Ousarei, contudo, reconhecer nesta obra relativamente à obra inaugural Contos da Mata dos Medos (2003; Assírio & Alvim), um tom ainda mais afeito ao pueril e ao plácido. E, o namoro com esta obra (de continuidade, se assim lhe podemos chamar), igualmente ilustrada pelas mãos cuidadosas de Cristina Valadas, está, deste modo, assegurado, prevendo-se uma relação duradoura entre os leitores da descoberta (como gosto de os apelidar) e a obra em si.
Ora, parece-me ser este o momento para afirmar que, depois de alargadas as malhas, elevavam-se vozes de união, num apelo claro, ao sentido crítico do dever cívico, da responsabilização e da esperança. Ausente de quaisquer pretensões demagógicas, A Criatura Medonha – Novos Contos da Mata dos Medos, tal como a sua antecessora, propõe, num tom absolutamente onírico, uma recriação do mundo, construída à luz da imagem de um espaço geograficamente mítico – relembre-se, a propósito, a geografia mítica e o espaço de Centro de Mircea Eliade que sustentam a imagem arquetípica da criação perfeita (Eliade, 200:24-37) –, onde o dia a dia destes animais, puros na alma, engenhosos na permuta e fortes nas decisões, se faz através de uma aposta certeira no verdadeiro sentido da Vida: o da interiorização e resolução dos conflitos na demanda de um sentido colectivo, portador de valores como o da liberdade, da identidade e da alteridade. Então, certo será também afirmar que, mais uma vez, reconhecemos em A.M. a preocupação sentida em abordar as atitudes sociais de carácter colectivo, como as do desrespeito, do descomprometimento, e da desmistificação do Homem face à pureza fascinante do ser animal.
Se, e como já o referi num texto a propósito de Contos da Mata dos Medos, em A Criatura Medonha – Novos Contos da Mata dos Medos as personagens, criadas à moda dos contos tradicionais para crianças, continuam a primar por «uma constante busca identitária, onde os valores que defendem (…) têm um reflexo absolutamente positivo sobre o seu habitat natural» (Silva:2007), o convívio consciencioso, solidamente alicerçado nos sentidos da partilha, dos deveres/direitos, é a força axiológica desta narrativa. A reivindicação ao sonho e à posse do belo surge-nos impulsionada pela imagem do livre arbítrio, objecto da constante demanda do Homem que não se quer desintegrar de um espaço cosmogónico como, por exemplo, o da Mata dos Medos, onde a ideia da desumanização e da desintegração não pode coabitar com as pretensões dos animais da mata que usam de um contínuo relacionamento simbiótico com os seus semelhante e o espaço que integram.
A nota valorativa desta segunda obra, em consonância com a anterior, acresce, por um lado, de um sentido ainda mais aprofundado ao nível de uma leitura epicurista, onde até a presença dos conflitos é solucionada de uma forma colectiva e pensada para a reposição da ordem cósmica; por outro, de um inconfundível trabalho sobre a linguagem poética, marcada pelos típicos e autorais neologismos e brincadeiras sonoras que surgem na musicalidade das frases ditas para rimar quando o dia é «um dia extraordinário.» É, ainda, junto ao «Pinheiro das Ideias Brilhantes» que se imortaliza a recriação da própria harmonia do grupo na luta contra as adversidades vindas do exterior caótico.
Facilmente comparável à imagem mítica do Jardim e/ou da Ilha, como espaços edificados na pretensão do estado puro das coisas, a Mata dos Medos, especialmente o «Largo do Pinheiro Alto», onde cresceu o «Pinheiro das Ideias Brilhantes», efectiva as ideias da ordem e do «Cosmos Perfeito» (Eliade, 2001:43). As imagens da ancestralidade do homem mítico e da «Árvore Cósmica», referidas por Eliade (1999:55), reforçam a simbólica do espaço sagrado ao qual se conectam outras imagens arquetípicas, tais como as do nascimento ou (re)nascimento e da reconciliação com a própria natureza. Ora, o «Pinheiro das Ideias Brilhantes», deixa perceber o estado de maturação próprio ao acto de nascer e/ou renascer que se constrói pelo desejo mimético do Homem perante a imagem da união, que é a imagem ideal com a qual ele se quer identificar. Tal desejo de aproximação identitária permite entrever, aqui, o narcisismo cósmico de que fala Bachelard (1998:190), através do qual é realçada a dialéctica da imensidão e da profundidade, engrandecida pelo momento da contemplação que coloca o indivíduo em harmonia com o seu circundante, afastando-o do seu narcisismo individual de eremita, quantas vezes, dissocial.
Muitas são as ideias que constroem o fundamento desta segunda obra, criada à medida do essencial, e muito mais haveria a contar sobre estas personagens absolutamente admiráveis porque insubordináveis. Contudo, e para terminar, chamo à presença a última parte da narrativa que, por si só, dispensa qualquer tipo de asserção. Oiçam, pois
«– Hoje é um dia extraordinário para o Largo do Pinheiro Alto – repetiu o Coelho ainda mais alto. E continuou (…). Enquanto o Coelho discursava, os seus ouvintes foram fechando os olhos, um a um. Estava um calorzinho muito agradável e eles deixaram de ouvir o discurso e começaram a pensar em coisas cheias de calor.
Num instante, adormeceram. (…) O próprio Coelho adormeceu a meio do discurso, sem dar por nada, e ficou a ressonar encostado à primeira pedra que também era a última do muro que também era um dique e uma barricada. E uma calma extraordinária caiu sobre o Largo do Pinheiro Alto, algures no coração da Mata dos Medos» (Magalhães, 2007:63).


Referência bibliográfica:
BACHELARD, Gaston (1998). La poétique de l´espace. Paris: PUF. [1ª Edição: 1957];
BOSETTI, Gilbert (1987). Le Mythe de l’Enfance. Grenoble: Editons Littéraires et Linguistiques de l'Université de Grenoble;
ELIADE, Mircea (1999). La nostalgie des origines. Paris: Gallimard. [1ª Edição : 1971];
(2001). Le mythe de l´éternel retour. Paris: Gallimard. [1ª Edição: 1949];
MAGALHÃES, Álvaro (2005). O Brincador. Porto: Edições ASA;
SANTOS, Agostinho dos (2007). «Palavras que erguem mundos». [em linha], [consultado em 8 Out. 2007], disponível em http://jn.sapo.pt/2007/10/08/cultura/palavras_erguem_mundos.html;
SILVA, Gisela. «Contos da Mata dos Medos ou a Essência do Pueril». In Dossier Cultura. Braga: Diário do Minho, p. VII, 11 de Julho de 07.

30 janeiro, 2008


Durante a leitura da obra, The Most Magnificent Mosque, de Ann Jungmann, o leitor competente e crítico estabelecerá certamente, total ou parcialmente, uma ligação com o tema da diversidade religiosa e cultural e da convivência multicultural.No início do século oitavo os árabes conquistaram o sul de Espanha e a bonita cidade de Córdoba onde construíram uma mesquita que se tornou na segunda maior do mundo islâmico. Nela três rapazes brincaram nos seus magníficos jardins: Rashid, muçulmano, Samuel, judeu e Miguel que era cristão. Quando da reconquista cristã, em 1236, pôs-se seriamente o problema da sua demolição para se construir, em seu lugar uma igreja católica. Os três rapazes, agora adultos, foram ter com o Rei Fernando implorando pela bela Mesquita:
“I am here to plead for our mosque on behalf of all the Christians of Córdoba, cried Miguel.I am here on behalf of all the Jews of Córdoba, said Samuel.And Sire, I speak for the Muslim citizens. Spare our mosque! Cried rashid.”

No entender de Ralf Darendorf (1996:17), a heterogeneidade constitui o verdadeiro teste à consistência da identidade europeia. Ele acrescenta que “Common respect for basic entitlements among people who are different in origin, culture and creed prove that combination of identity and variety which lies at the heart of civill and civilized societies.”Através de Rashid, Samuel e Miguel podemos referir, como Castells (2003:3), que toda e qualquer identidade é construída e baseada no conhecimento do território vivencial. Contudo, apesar de ser construída a identidade tem uma característica estática e não é imutável pois:“São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. (…) Escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choque de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades."(Santos, 2002:119)

A identidade é assim compreendida numa dialéctica de igualdade e diferença, proporcionada pela transacção entre texto e leitor que conduz à recriação da identidade do segundo e ao mesmo tempo remete para a textualidade de todas as relações humanas. Como diz Hartman (1980: 271):“We read to understand, but to understand what? Is it the book, is it the object revealed by the book, is it ourselves? (…) yet what we gain is the undoing of a previous understanding. (…) Reading itself becomes the project: we read to understand what is involved in reading as a form of life (…). "

Advanced (Master) Course in Children’s Literature

Department of Literature and History of Ideas
Stockholm University


Fall semester 2008


Advanced (Master) Course in Children’s Literature, 7,5 credits


Designed and taught by Professor Maria Nikolajeva



This international English-language course offers an in-depth study of children’s and juvenile literature in the context of contemporary literary criticism. It focuses on the specific features of children’s literature and the particular theoretical issues necessary to explore these features.
The course is intended for students with at least the equivalent of a Bachelor’s degree (180 European credits), of which at least 90 credits in literature, including a research paper with a literary focus.
The course presupposes the student’s general orientation in contemporary literary theory and criticism. The student is also expected to have ample knowledge about the history of children’s literature and its most important classic and modern text. Proficiency in English is a prerequisite.

Instruction is fully web-based. No tuition fees.


Application deadline April 15, 2008. Apply at http://sisu.it.su.se/info/index/LV9800/en


For further information about the course please contact maria.nikolajeva@littvet.su.se