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11 dezembro, 2008

Lançamento do terceiro livro que terá lugar no próximo dia 15 de Dezembro, pelas 17.30, no Fórum Romeu Correia, Praça da Liberdade - Almada.


E se fosse mesmo «Um Problema Muito Enorme – Novíssimos Contos da Mata dos Medos»?




E é pois! Aconteceu, assim...
Chegou-me às mãos um convite muito especial: o lançamento do terceiro livro (tão esperado) da composição literária iniciada com Contos da Mata dos Medos (Lisboa Assírio & Alvim, 2003), o que nos garante que há «Um Problema Muito Enorme», lá para os lados de Almada. Informei já muitas pessoas de diferentes faixas etárias e a resposta foi unânime, convertendo-se num tom de alegria que ficou pelo ar. As solicitações vieram de seguida, e o tempo de espera, julgo, será cronometrado ao minuto.
Eu compreendo! Estamos perante mais um conto de Álvaro Magalhães que permite promover o prazer da leitura numa atitude literácita, e, simultaneamente, de volta às ilustrações de Cristina Valadas, onde o toque pincelado regista as grandes imagens e metáforas da essência do ser.
«‒ Um Problema muito enorme?», questionar-se-ia o leitor menos atento ou desconhecedor da obra deste mestre «brincador» (Magalhães, 2005), que ama brincar com as palavras, “limpando-as e acariciando-as”; ou ainda imaginar, construindo jogos linguísticos e cómicos ‒ de linguagem, de situação e de carácter ‒ que confirmam a diferenciação das suas histórias.
O título confirma, por si só, a presença desses jogos, bem como a dimensão lúdico-estilística, de grande valor literário, que tem sido ponto assente na construção textual do autor. Anunciada uma outra história vivida na Mata dos Medos, acresce validar a riqueza dos diálogos, estupendos na sua forma de acontecer, e aos quais se prendem, para além dos acontecimentos do quotidiano dos protagonistas, um assunto a resolver. Não fosse ele um problema muito enorme!
Ler Álvaro Magalhães é, sem dúvida, comprometer-se com um momento de grande fruição, onde nos vemos impelidos para a participação, num acto feliz de aprendizagem e de entretenimento. É, igualmente, manter um pacto de ficcionalidade com o autor e permitir que os momentos de estranhamento, como por exemplo, as denominadas perturbações da linguagem e do discurso, sejam sobretudo mais-valias para o nosso enriquecimento pessoal.
Se conhecem os espantosos animais da Mata dos Medos sabem o quanto ficou mais rico o acervo literário português (relativo à literatura de potencial recepção infanto-juvenil) com este terceiro episódio dos animais que vivem nesta mata. Caso ainda não se tenham deparado com eles, então, venham conhecê-los. Garanto, tomando a voz de muitos leitores, que nunca mais se afastaram deles!

Até breve,

Gisela Silva.

25 novembro, 2008

A Fada das Crianças - Fernando Pessoa - Ciclo das Fadas IX


A FADA DAS CRIANÇAS
Do seu longínquo reino cor-de-rosa,
Voando pela noite silenciosa,
A fada das crianças vem, luzindo.
Papoulas a coroam, e, cobrindo
Seu corpo todo, a tornam misteriosa.
À criança que dorme chega leve,
E, pondo-lhe na fronte a mão de neve,
Os seus cabelos de ouro acaricia –
E sonhos lindos, como ninguém teve,
A sentir a criança principia.
E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas…
E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas…
Mas vem o dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé, volta a melhor das fadas
Ao seu longínquo reino cor-de-rosa.
Fernando Pessoa

20 novembro, 2008

A Grande Aventura de Beck - Ciclo das Fadas VIII

"Somos feitos da mesma matéria que os nossos sonhos" disse Shakespeare. Esta frase do grande escritor inglês veio-me à memória quando li "A grande Aventura de Beck", da colecção Fadas, da Disney. De facto, só dentro dos nossos sonhos conseguimos imaginar seres que se movem com a força do pensamento, que voam com o poder do pó mágico ou que entendem a linguagem dos animais. Mas estes sonhos, no dizer de Shakespeare, materializam-se naquilo que nós somos e naquilo que conseguimos fazer, falar e ser. Quer dizer, se sonhas com fadas podes ser ou tornar-te uma delas?!...ou considerando de outra forma: "You cannot have a concept of fantasy without a concept of reality" (Gamble &Yates, 2008:118) porque uma boa história de fadas, no sentido geral do termo, está profundamente enraizada nas experiências , ideias e ideais humanos. A história deste livro, A Grande Aventura de Beck, posiciona-se neste quadro conceptual: a fantasia ou o não racional feito gnomos, de animais que falam e de fadas ocorre no mundo racional onde existem plantas, animais, casas e seres humanos.
Beck, a fada deste livro, é um ser corajoso " ...quer da vida mais alguma coisa do que andar às voltinhas no Vale das Fadas". " Queremos mais do que qualquer outra fada. Queremos voar mais depressa." Mas tal como no mundo real "...os céus estão cheios de falcões, de ventos contrários e de granizo...e por vezes temos de utilizar diferentes truques para sobrevivermos", diz Beck e as suas amigas.
Ao contrário de muitos contos de fadas, onde a floresta joga um papel simbólico muito importante, como por exemplo uma manifestação de ansiedade, ou um ritual de passagem da adolescência para a idade adulta, aqui a acção passa-se no céu azul onde se cruzam pássaros de todos os tamanhos e cores. É para este local de confronto simbolico entre o bem e o mal que Beck quer ir, à procura de terras distantes onde se podem ver ondas às cores e areias que falam. Para o conseguir constrói umas asas gigantes, à maneira de Ícaro e tal como ele caiu, mas desta feita amparada por pássaros protectores que ao contrário de Dédalo conseguiram salvar Beck de uma morte certa.Mas Beck necessitava de "...mais alguma coisa do que a habilidade de voar mais alto e mais depressa. Precisava do seu próprio dom." Precisava que " ... o seu pensamento entrasse em comunicação com o do pássaro guia..."

10 novembro, 2008

Lília e a Planta Misteriosa - Ciclo das Fadas VII


As fadas são de uma maneira geral seres da natureza ou pelo menos inspirados por ela: dominam o ar, a terra, o fogo e a água e com eles fazem o mundo ficar um lugar mais bonito de convivência física e espiritual.
Os elementos que compõem esta nossa terra (sol, terra, fogo e ar) dão-lhes, muitas vezes os atributos com que desenvolvem os contactos com os seres humanos: umas são as fadas que acalmam tempestades do mar, outras apaziguam o vento das montanhas, algumas apagam o fogo das florestas e ainda outras cultivam as flores dos nossos jardins reais ou imaginários, cheios de papoilas, roseiras e trevos perfumados.
A Fada Lília, da nossa história, tinha precisamente este último atributo: ela era a fada que cuidava dos jardins. Era por assim dizer uma fada arquitecta paisagista que se preocupava com a beleza da paisagem, da sua configuração espacial e estética, dos seus valores culturais e biofísicos.(Ribeiro Teles, 2008)
Ela amava as plantas e as flores com todo o seu coração e o seu passatempo predilecto era"deitar-se no cimo do musgo macio, ver a erva crescer"... " pois tinha a certeza de que as folhinhas de erva cresciam mais depressa quando sabiam que ela estava a olhar para elas."
Certo dia, num passeio pela floresta, ("convirá dizer que as fadas nunca passeiam sozinhas na floresta por causa das cobras, das corujas e dos falcões") Lília encontra uma semente desconhecida que, depois de plantada, resultou numa planta feia, malcheirosa e esquisita.
Terá Lídia de arrancar para sempre a planta desconhecida por quem, apesar de tudo,nutre uma ternura especial ? Conseguirá ela impôr-se ao resto da comunidade do Plátano, onde vivem centenas de fadas?
Bom, isso é o que terão que descobrir juntamente com a Rainha Pomba, " o ser mais mágico de todos" que empoleirada no seu Ovo garante a juventude eterna a quem viver sob a sua influência, lá na segunda estrela à direita, da Via Láctea?....

A Festa dos Pastores na Fundação Cupertino de Miranda





Recebi o convite e fiquei mais uma vez emocionada.


Quem não estava já com saudades de mais uma nova história da nossa querida escritora Rosário Alçada Araújo (a nossa Rosarinho, como lhe chamamos cá por cima)?
Pois bem, ela vai estar de novo por terras do norte e é já no próximo sábado, às 16.30h.

Sei que o livro vai surpreender-nos. A razão? É bem simples, a Rosário só sabe maravilhar com palavras soltas, onde a brisa do encanto parece soprar, leve, entre as páginas viradas.

O lançamento, nas palavras do nosso também querido Manuel António Pina, assegura a importância do momento . Quanto às ilustrações, parece-me que só um contacto ao vivo poderá atestar a veracidade deste conjunto, onde escritora e ilustradora brincam de fazer sonhar.


Sejam muito bem-vindas e até sábado.



Isto agora é mais uma confissãozita das minhas.

A autora é uma doçura, um encanto de pessoa, sem aquelas vaidades tontas, nem afirmações protocolares que nos fazem sentir, às vezes, meios fora do contexto. Não é por acaso que dos seus livros escapa tanto zelo no saber amar as coisas mais triviais.


Conheci a escritora, numa aula do nosso mestrado em Literatura Infantil e Estudos da Criança. Foi num sábado de manhã. Virei, num momento qualquer, uma página (já nem sei de quê) e a colega, bem simpática por sinal, entregou-me a folha que tinha caído e pergntou-me se eu gostava da autora. Respondi-lhe que sim, caso contrário não escreveria nada sobre ela, pois o meu objectivo era (e sempre será) o de divulgar livros para crianças e jovens, a meu ver, bons.


Ela sorriu, não com vaidade, mas emoção e disse-me:"- Obrigada. Também gosto dela!" E riu, com um riso saudável. De repente olhei para ela e rimo-nos as duas. Tinhamos descoberto, assim, numa aula (que confesso estava a ser um pouco morosa) quem éramos. Foi um momeno maravilhoso, e a amizade nunca mais deixou de estar em cada um dos nossos gestos.


Querida amiga, que tanto me dás para sonhar por essas escolas fora, desculpa-me a falta de tempo por não ter ainda dito nada sobre o teu, agora, penúltimo livro e que eu, especialmente, adoro: A Caixa da Saudade. Tive o privilegio de lê-lo ainda em estado de prova. Lembro-me perfeitamente de ter dito: "Ai, que lindo! Lembraste?". Bem, julgo que a recensão já de pouco valerá. O livro fez-se por si só, porque saiu das mãos de uma muito boa sonhadora/imaginadora.





06 novembro, 2008

Um Simples Olá


Olá a todos.
Sei que ando um pouco arredia, mas o tempo faz-se pouco e o trabalho, bem esse é em demasia.
Digo-vos "Olá" e não "Boa noite" por uma razão muito simples. Há uns tempos, ao ler uma crónica bem simpática que tecia louvores merecidos a uma tão breve e simples palavra, não pude deixar de sorrir.
Nada eloquente, afastada de qualquer pretensiosismo linguístico, de um absoluto uso corrente, OLÁ era pois a palavra de referência. Entendida num trato amigável, traduzindo a joviabilidade de quem quer simplesmente dizer: «Olá, como estás?», ou ainda: «Olá, cheguei!», tenho-a usado com frequência, desde esse dia.
No passado sábado, depois de chegar de mais uma das minhas idas a uma escola do 1º ciclo (onde a usei imenso), cheguei a casa, desejosa por dizê-la outra vez com a alegria de quem chega a casa satisfeita.
Estranhei de imediato a ausência da minha gata Eva, habituada a um mimo especial quando alguém acaba de chegar. Fui ao jardim e não vi o meu cão, que é uma autêntica doçura e pensei: Bem, o Trengo (que é o meu cão) está na casota dele, abrigado e a roer o seu osso predilecto (daqueles que se compram em qualquer hiper e que nunca mais acabam); a Eva, essa, deve estar no escritório com a S. a dormir numa qualquer gaveta ou caixa e a ouvir, atenta, os resumos de Filosofia.
Dirigi-me ao andar de cima, enquanto retirava, pelo caminho, todos os objectos que me pesavam na mala, mas que me tinham sido úteis nesse dia tão importane. Ouvi barulho no meu escritório e fiquei à espreita. Não pude acreditar no que eu estava a ver. Ainda dizem que os animais pressentem a nossa presença. Tive um curto tempo para ajeitar a máquina e ouviu-se um clic que elevou um grande OLÁ Gi!!
Como este blogue é uma parte importante do que faço, leio e escrevo por aqui, deixo-vos um dos segredos do que se passa em minha casa, quando não estou. Às vezes também eu leio para a minha gata que é uma fiel ouvinte de Todos os Rapazes são Gatos, do A. Magalhães. Desta vez, acredito que ambos estavam a pensar no quanto os homens são estranhos no seu modo de ser e referencio esta tão magnífica obra: Perguntem aos vossos gatos e aos vossos cães. Ainda hoje ando em conversa com eles e a pensar, claro.
Deixo ainda um grande OLÁ ao Sr. Manuel António Pina e a todos os que amam os livros.

24 outubro, 2008

A Biblioteca Escolar: promoção da leitura e da literacia

A fruição do texto literário, pelo simples prazer de ler (Proust, 1998: 21), e/ou a consulta de obras de referência, por estudantes, investigadores e curiosos (Eco, 2002: 31), com o intuito de aumentarem os seus conhecimentos, nas mais diversas áreas, remetem os leitores para a biblioteca.
Este espaço foi, até meados do século XX, um repositório de livros, unicamente, em suporte papel, apelidando Jorge Luis Borges, de um modo afectivo, A Biblioteca de Babel.
Na década de 50 e 60, do século passado, o Mundo assistiu à corrida desenfreada dos EUA e da ex-URSS, pela conquista do espaço (Martins, 2007: 7), o que originou um rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, surgindo, entre outros, o computador, o videogravador, a cassete vídeo, a cassete áudio, que, no início, tinha um uso militar e científico restrito, após o qual houve uma democratização, a que a sociedade civil teve acesso.
Do ponto de vista pedagógico, a escola viu uma oportunidade de usar esses recursos, pois eram mais aliciantes, potenciando a utilização da imagem e do som, em contexto educativo. Foi o que sucedeu em Portugal quando foi criado, em 1964, o Instituto de Meios Audiovisuais de Ensino, e da Telescola (Carvalho, 2008: 803), que visavam “a elevação cultural da população”.
No que concerne à biblioteca, a informação podia ser guardada em novos suportes (cassete vídeo e áudio), evoluindo, actualmente para o DVD, CD áudio, CD-Rom, assim como o uso da Internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
Estavam lançadas as bases de um novo conceito de biblioteca, um centro de recursos multimédia de livre acesso, destinado à consulta e produção de documentos em diferentes suportes.
Com origem nos Estados Unidos da América, nos anos 60, este modelo disseminou-se por países europeus como a Inglaterra, Bélgica e França que o implementaram nas escolas, tendo chegado ao nosso país na década de 80 com os Centros de Apoio Pedagógico (CAP) e o Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo (PIPSE).
Deste modo, a leitura múltipla que a sociedade da informação privilegia, reflecte, também, a leitura do mundo (Gonnet, 2007: 37), promovendo uma pedagogia da integração dos saberes.
Em Portugal, na década de 90, o conceito de Biblioteca Escolar evolui para o de Biblioteca Escolar/Centro de Recursos Educativos (BE/CRE), com o apoio da Rede de Bibliotecas Escolares, desde 1997, assistindo à implementação destes espaços ecléticos nas escolas do ensino básico e secundário, de modo que a comunidade educativa, em particular os alunos, tenham acesso à literatura e à pesquisa de informação.
Neste contexto, fomenta-se a animação e promoção da leitura de potencial recepção infanto-juvenil, através da instituição de Clubes de Leitura, junto dos alunos, utilizando blogs, para divulgação de material escrito e plástico e de opiniões sobre literatura, organizando feiras do livro, exposições, concursos literários, convidando escritores, como forma de dinamizar a BE/CRE.
O objectivo derradeiro é criar hábitos leitores nos jovens, fazendo da leitura um acto de prazer gratuito, onde o contacto estético com diversos textos e géneros literários os conduza ao sonho, à imaginação (Steiner, 2007: 46), promovendo a criatividade nas suas práticas educativas, a competência literária e a literacia.



Referências bibliográficas:

ECO, Umberto (2002). A biblioteca. Lisboa: Difel.

GONNET, Jacques (2007). Educação para os Media. As controvérsias fecundas. Porto: Porto Editora.

MARTINS, Jorge (2007). Bibliotecas Escolares/ Centros de Recursos Educativos: cânones e promoção da competência literária. Braga: Universidade do Minho.

PROUST, Marcel (2008). Sobre a leitura. Lisboa: Vega.

CARVALHO, Rómulo de (2008). História do ensino em Portugal. Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

STEINER, George (2007). O silêncio dos livros. Lisboa: Gradiva.

19 outubro, 2008

Mês Internacional das Bibliotecas Escolares

De acordo com os princípios estabelecidos pela IASL, relativamente ao "Mês Internacional da Biblioteca Escolar - "...O Mês Internacional da Biblioteca Escolar permitirá aos responsáveis pelas bibliotecas escolares, em todo o mundo, escolher um dia, em Outubro, que melhor se adeque à sua situação de forma a celebrar a importância das bibliotecas escolares... " - o Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares decidiu declarar o dia 27 de Outubro como o DIA da BIBLIOTECA ESCOLAR, permitindo às escolas a preparação atempada de actividades específicas a realizar neste dia, independentemente de todas as acções que possam levar a efeito noutros dias do mês.

09 outubro, 2008


Hoje é o DIA INTERNACIONAL DA LITERACIA.

A Literacia é motivo de celebração em todo o mundo. Hoje em dia mais de 4 biliões de pessoas em todo o mundo sabem ler e escrever. Contudo, o objectivo das Nações Unidas de providenciar literacia para todos ainda está longe de ser conseguido. Das actividades conduzidas durante décadas algumas lições foram aprendidas e mostram que este meritório objectivo mundial necessita não só de esforços mais efectivos, mas também de vontades políticas renovadas e sobretudo de mentores capazes de sustentarem acções de base local.

A promoção da literacia através da literatura infantil é um bom ponto de partida para iniciativas variadas, pois a literatura proporciona um prazer, associado à aprendizagem de competências que se querem significativas e intelectualmente estimulantes.


Visite a Biblioteca Britânica, em Londres, no dia 27 de Outubro e celebre o poder das Histórias Infantis!
As crianças de todas as idades e as suas famílias são convidadas a conviver com escritores e ilustradores bem como a participar em inúmeros workshops de escrita e ilustração.

A não perder!

03 outubro, 2008

Sininho e Peter Pan - Ciclo das Fadas VI


Fantasy is a natural human activity. It does not destroy or even insult Reason; and it does not either blunt the appetite for, nor obscure the perception of scientific verity. On the contrary. The keener and the clearer is the reason, the better fantasy will it make”.

Assim diz Tolkian, (2008:65) que desenvolve uma larga e profunda tese, no seu livro “On fairy-stories”, onde espelha a extraordinária génese do seu trabalho, como escritor de mundos fantásticos.

Peter Pan, de J.M.Barrie, é outra história de fadas que queremos partilhar convosco. Apesar de todos conhecermos a história do filme da Disney não será despiciendo ler, de novo, este romance, que se tornou rapidamente num dos famosos livros de literatura infantil, de todos os tempos.

A personagem de Peter, que não quer crescer, de Wendy e dos meninos da Terra do Nunca, que caíram dos carrinhos de bebé por causa de amas distraídas e do Capitão Gancho, com o seu braço de ferro, povoam os mundos da infância já há várias gerações.

Este livro também possui uma fada que pelo seu tamanho pareceria irrelevante num cenário de guerras da Terra do Nunca, entre animais selvagens, índios ferozes e piratas violentos.

Mas, esta FADA possui uma capacidade extraordinária de doação e de inclusivamente morrer por Peter Pan quando este, sem conhecimento do líquido envenenado, o ia beber de um fôlego. Sininho, in extremis, salva-o protagonizando um amor sincero e para lá de todos os limites racionais. Este amor “ (…) é uma possibilidade de vida da própria razão; a razão que renuncia ao amor renuncia à própria vida, à sua própria liberdade. O amor entendemo-lo como possibilidade de sempre transcender.” (Pereira, 2000:76)

Sininho está às portas da morte: “ A sua voz era tão sumida que, a princípio, ele já não conseguia ouvir o que ela dizia. Ela estava a dizer-lhe que acreditava poder melhorar, se as crianças passassem a acreditar nas fadas.

E elas certamente acreditam pois as suas palmas fizeram Sininho voar logo “mais alegre e despudorada do que nunca” (Barrie, 2005.163) fazendo-nos acreditar que a intenção de um desejo – um projecto – aliada ao gesto de bater as palmas – uma acção – (Carvalho, 95:56) produz um resultado que se assume como impulsionador da realidade, aqui realidade poética, mas que sem dúvida faz parte do mundo empírico histórico factual, pois nós também ainda acreditamos em fadas e também conseguimos voar!

23 setembro, 2008

Histórias da Floresta....e de Fadas - Ciclo das Fadas V

Pedindo emprestado o tempo e o espaço da nossa infância escolhemos, mais uma vez, um livro que nos conta histórias de fadas. A grande Fada da história diz que: " Também nós as fadas da história precisamos de umas férias...(1988:2)" Eis porque mandou a Flor-de -Liz, a Túlipa, a Ortiga, a Alperce e a Pinha Seca para umas curtas férias na aldeia dos gnomos.
"...it doesn't matter ...the important thing is the effect the stories have now on those who read them" diz Tolkian (1947:11) e esta história, de facto, teve uma resposta positiva não tento pelo texto que se desenrola num ambiente diversificado, desde a idade média até à vida contemporânea, mas sim pelas imagens e pelos temas que propõe.
As imagens podem criar oportunidades de desenvolvimento literário e estético tal qual como as palavras. Neste caso, relembram intertextualmente os desenhos de Albert Uderzo criador de Asterix. O movimento imprimido, as cores, as expressões faciais, por exemplo, contribuem para a sua imediata adesão e permitem uma função mimética, no sentido de que nos fazem voltar ao nosso ponto de partida, a infância.
Os temas para além de proporem respostas literárias, propõem também respostas avaliativas e críticas por parte do leitor. O concerto, Quem semeia ventos colhe tempestades, Um quarto de Lua são exemplos desta proposta avaliativa que se pode realizar, e muitas vezes se realiza de facto, de forma espontânea num monólogo interior.
A credibilidade das histórias de fadas não é contestada! Elas são reais, ou sonhadas, como em Alice no País das Maravilhas. Não importa! O importante, de facto, é que elas são mundos alternativos onde o mundo empírico histórico factual só existe para proporcionar uma verosimelhança configurativa. Assim, aparecem os temas A varinha mágica, O espelho mágico e A vingança do anel, a lembrar-nos mais uma vez Tolkian e o seu "Lord of the Rings".
O que são histórias de fadas? Para que servem? Ainda hoje nos perguntamos mas, elas são "...a legitimate literary genre, not confined to scholarly study but meant for readerly enjoyment by adults and children alike. " (Tolkian,1947:12)

16 setembro, 2008

Continuando com o Fóruns Beiriz: Leituras entre mãos

2007/2008

Recensão Crítica

“Sobre o Último Grimm …”

O Último Grimm, de Álvaro Magalhães é a 2ª obra da colecção “Romance Jovem” editado pela ASA Editores, em 2007, que nos transporta para dois mundos diferentes: o nosso mundo (considerado normal) e um mundo irreal, de fantasia e imaginação. Povoado de criaturas mágicas esse “Outro Lado” tem, nesta história, a responsabilidade de revelar o confronto entra o Bem e o Mal.
Esta obra, bem como todas as histórias fantásticas, faz uso da uniformidade própria deste género de narrativa, sem cair, contudo, na repetição e na falta de criação estética.
Habituado ao estilo literário do escritor, justo será afirmar que, mais uma vez, Álvaro Magalhães consegue surpreender-nos chamando à cena personagens resolutas e envolventes. Assim, oriundos da sempre agitada cidade de Londres chegam-nos os irmãos William e Peter Zimmer descendentes dos célebres e bem conhecidos irmãos Grimm.
Não pense o leitor que se vai deparar com uma história cujo contexto histórico e social se baseia nas ideologias do século XIX (embora assim o pudesse ser). Aqui, estamos em pleno século XXI, onde as aventuras se vão passar na Cornualha, em Inglaterra, na Quinta da Pedra Azul e no Mundo das Histórias, que está do “Outro Lado”.
William Zimmer é, de todos, aquele que consegue ver as criaturas que vivem do “Outro Lado”, mas que de vez em quando, visitam os nossos jardins e cidades. A princípio, confuso com tudo aquilo, William renega o que lhe está a acontecer, mas depois, vai se habituando à ideia de que tem, de facto, um dom e uma missão a cumprir porque ele é o Último dos Grimm. Que tem, então de fazer William? Nada de fácil. Esta é, sem dúvida, a resposta!
William é, contudo, um rapaz muito corajoso, persistente, curioso, destemido e fiel aos seus deveres, portanto, sabe que tem de dar o pulo para o “País das histórias”, onde encontrará várias personagens das histórias de encantar, como o Gato das Botas, Winni the Pooh, a Rainha de Copas, entre outros. Todas estas personagens estão em perigo e William tem de actuar rapidamente para salvá-las, inclusivamente, a princesa Ariteia que foi transformada numa bela estátua de pedra e, por isso, privada de vida.
Do “Outro Lado”, enfrentando as trevas do mundo da Criança Terrível, o nosso herói vive as maiores aventuras. Ciente de que tem de triunfar, este jovem empreendedor, com a ajuda dos membros do “Clube dos Amigos das Criaturas” e dos duendes, vence a Criança Terrível e volta a “dar vida” a todas as histórias do passado, onde se podem revisitar os valores ético-morais ligados ao Bem.
O Último Grimm é, sem dúvida, uma obra a ler, recomendada para todas idades.
Aventuras, desafios, medos, receios, mistérios são momentos presentes nesta narrativa onde não se deixam de ler sentimentos de altruísmo, coragem, solidariedade, amor, dedicação e respeito.
Deixamos aqui, o nosso bem-haja a este autor que desde sempre soube e quis encantar os leitores de várias idades.


Trabalho realizado pelo aluno Paulo Silva, do 8º A e corrigido, em trabalho de reescrita colectiva, pela turma.

2007/2008

Trabalho de reescrita a partir da obra Contos da Mata dos Medos, de Álvaro Magalhães

A Nova Viagem do Caracol

O Caracol preparou a mala com tudo o que foi necessário para a viagem. Colocou uma lanterna, um saco-cama, entre outros utensílios.
E lá foi ele para a sua viagem em busca do Lugar Encantado.
Pelo caminho pôs-se a pensar:
– Se ir para esse lugar é não ir a lado nenhum em especial, tal como eu disse ao Ouriço, então se eu acho que devo ir pela esquerda, é porque devo ir pela direita.
E foi pela direita, fazendo isto todo o dia até anoitecer.
– E agora? – perguntou ele a si mesmo.
– Estou muito cansado, preciso de descansar. Mas onde poderei eu dormir? – perguntou a si mesmo o caracol.
De repente começou a chover.
– Não posso acreditar! – exclamou o caracol – e logo eu que não gosto de me molhar! E agora aonde para onde é que vou, caramba? – perguntou o caracol todo aborrecido.
Mas logo de seguida reparou que ali mesmo a frente dele, havia um formigueiro.
– Que sorte. – disse ele todo contente.
E lá foi ele a correr à velocidade veloz de um caracol, claro!
Estava todo molhado e cheio de frio.
– Será que eles me deixam ficar aqui alojado por esta noite? Bem, não custa nada perguntar. – afirmou ele.
E lá foi numa pressa bem aviada.
Mal entrou no formigueiro foi travado por dois guardas que o encostaram à parede. Mas o Caracol escondeu-se na sua casca até os guardas se acalmarem.
– Eu desisto – disse um dos guardas.
– Calma! Eu só quero dormir aqui esta noite, estou todo molhado e muito cansado. Amanhã, bem cedo, saio em busca do Lugar Encantado. – disse o caracol.
Os guardas já cansados acreditaram no caracol e foram falar com a sua Rainha.
O Caracol estava com medo, porque sabia que a Rainha era a maior do formigueiro. Mas quando a viu ficou admirado com a sua altura.
– Que pequena que és! – exclamou ele.
– Não, tu é que és muito grande! – exclamou a Rainha aborrecidíssima com tal reparo.
– Tem toda a razão, desculpe. Posso dormir cá esta noite? – perguntou o Caracol com medo que não fosse aceite.
– Está bem, podes ficar no quarto do meu filho. Mas atenção! Ao menor deslize mando-te prender nas masmorras. – Disse a Rainha.
– OK! – exclamou o Caracol. – Não se preocupe.
E lá foi ele em direcção ao quarto. Quando lá chegou encontrou o filho da Rainha.
– Olá. Eu sou o Caracol. E tu, como te chamas? – perguntou o Caracol.
– Bola de Berlim, mas podes tratar-me por Bolas.
– Bola de Berlim? Que raio de nome! – exclamou o Caracol.
– Nós, as formigas, temos os nomes das nossas comidas preferidas. O nome do meu melhor amigo é Gomas. – disse o Bolas.
– Se fosse assim eu chamava-me o “ Couves”. – riu-se o Caracol.
– Olha lá, sabes onde é o Lugar Encantado na Mata dos Medos? – perguntou o Caracol.
– Nós já não estamos na Mata dos Medos. Isto, aqui, é o Pomar da dona Micas. – disse o Bolas.
– Ai é? – exclamou o Caracol.
– Então tu perdes-te e ficas assim? – perguntou o Bolas
– Sim, porque estou a viver uma nova aventura. – respondeu o Caracol, entusiasmado.
– Não te percebo, mas agora estou com sono e quero dormir. Boa noite Caracol – disse o Bolas
– Boa noite Bolas – respondeu o Caracol.
Quando acordaram foram tomar o pequeno-almoço. Mas o Caracol não gostava muito de bolachas, e por isso, não comeu nada.
Então o Bolas sugeriu que fossem brincar lá para fora.
– Isto aqui é muito bonito! Não sabes onde há couves? Estou cheio de fome! O pequeno-almoço não era lá dos meus preferidos. – disse o Caracol.
– Não gostas de bolachas? Eu gosto muito. – retorquiu o Bolas.
– Prefiro vegetais – afirmou o caracol. – Sou um vegetariano – disse ele num tom de pose estudada.
– Então estás no sítio certo, o Pomar da dona Micas é ao lado da horta do tio Quim.
E foram logo de seguida para a horta.
– Mas tens de ter cuidado com o Rox, um pastor alemão – afirmou o Bolas a estremecer.
– Por que temos de ter cuidado? As ovelhas do pastor atacam? – perguntou o Caracol.
– Não ó nabo! O Pastor Alemão é uma raça de cão. – disse o Bolas.
– O que é um cão? – perguntou o Caracol.
– São animais muito grandes, do tamanho de um arbusto espinhoso, e atacam os animais mais pequenos que eles. A tua a sorte é que ele é ingénuo e pouco inteligente. – disse o Bolas, a estremecer outra vez.
– Mas porque é que dizes que é a minha sorte? Tu não vens comigo? – perguntou o Caracol.
– Achas? Eu não. Ele ainda me come. Mas não te preocupes, se não vieres para o formigueiro ao pôr-do-sol, eu mando uns guardas para te irem resgatar – disse o Bolas.
A fome era tanta que o Caracol, nem pensou no perigo que corria. E lá foi ele em direcção à horta da dona Micas.
Quando lá chegou, estava o Rox a dormitar na sua casota.
– Que sorte! Esta é altura perfeita para eu me consolar, mnhã, mnhã que ricas couves!
Quando o Caracol deu a primeira dentada, o Rox acordou e começou a ladrar, pois tinha farejado algo estranho.
– Quem está aí? – perguntou o Rox a rosnar.
O Caracol tentou esconder-se, mas como era lento não conseguiu. O Rox farejou-o e apanhou-o.
– Quem és tu? E o que fazes aqui? Como te atreves? – perguntou o Rox zangado.
– Sou o Caracol, estava cheio de fome. Como vi muitas couves, pensei que não fazia diferença dar só umas pequenas dentadas. Não foi por mal só queria matar a fome. – respondeu o Caracol cheio de medo.
– Matar a fome? Na minha horta? Não vês que estás a estragar as couves que vão ser servidas no Natal? Eu estou aqui para tomar conta da horta. Tenho ordem para atacar o primeiro intruso que ousar aqui entrar. Dá-me uma boa razão para não te matar. – disse o Rox furioso.
– Porque… Porque… bem se me matares sai um liquido viscoso que é tóxico e pode matar-te. – disse o Caracol tentando safar-se.
– Ai sai? Pois então nesse caso guardo-te numa gaiola para não fugires. – disse o Rox.
– Pois mas muito tempo sem comer faz-me gases e também te podem matar.
– Nesse caso deixo-te aqui sozinho. Tchau! – disse o Rox.
O Caracol ficou sozinho durante muito tempo.
Como o Caracol ainda não tinha voltado, o Bolas pensou que ele corria perigo. Levando dez guardas com ele foi procurá-lo. Mal chegou começaram com a sua missão de resgate, fazendo pouco barulho para não atrair a atenção do Rox.
– Pst! – disse o Bolas tentando ganhar a atenção do Caracol.
– Estou aqui! – gritou o Caracol.
Mas o Caracol gritou tão alto, que o Rox ouviu e foi lá fora ver o que se passava.
– AH AH! Com que então há mais pessoas que querem morrer!
– Por acaso até não! – disse o Bolas
– Se eu fosse a ti não os matava, porque se os matas irá acontecer a mesma coisa que te aconteceria se me matasses. – disse o Caracol.
– Então vou prendê-los contigo – disse o Rox.
– Pois mas se nos prenderes, vêm todas as formigas do formigueiro para os resgatar, e olha que no formigueiro vivem três mil formigas! – exclamou o Bolas.
O Rox, por não saber contar até três mil, pensou que esse número era enorme, e por isso ele ficou muito assustado.
– Pronto estás livre, mas não voltes mais! – disse o Rox furioso.
– Com certeza Rox – disse o Caracol tentando não se rir da ingenuidade do Rox.
Quando foram embora para o formigueiro, pelo caminho, o Caracol viu o Chapim a sobrevoar os céus.
– Chapim! – chamou ele.
O Chapim ouviu o Caracol e desceu, aterrando num ramo de Carvalho.
– Olá Caracol! Como vieste aqui parar? – perguntou o Chapim.
– Vim numa viagem e perdi-me, e o Bolas acolheu-me no seu formigueiro.
– Prazer em conhecer-te Bolas. Eu sou o Chapim – disse o Chapim.
– Muito gosto em conhecer-te Chapim – disse o Bolas.
– Já chega de apresentações! Chapim leva-me para o largo, porque não sei voltar para lá – pediu o Caracol.
– Está bem, mas quando chegarmos contas-me a viagem toda, está bem? – perguntou o Chapim.
– Está bem. Tchau Bolas, foi um prazer conhecer um animal mais pequeno que eu. – disse o Caracol.
– Obrigado, depois anda visitar-me. Tchau! – despediu-se o Bolas.
E lá foi o caracol às cavalitas do chapim para o largo. Pelo caminho o Caracol pensou: Viver no largo é que bom. La isso é que é, Olarilolé!


Pedro Silva, nº 14, 8º A

15 setembro, 2008

Fóruns Beiriz: Leituras entre mãos

Olá a todos e um bom ano de trabalho.
Neste 1º dia de aulas na Escola EB 2,3 de Beiriz, gostaria de deixar aqui, neste blog que tanto prezo, alguns dos trabalhos dos meus alunos. Sei que ele não se presta a este género informação e/ou trabalho, mas julgo pertinente partilhar o quanto se pode fazer usando O Imaginário nas aulas de Língua portuguesa com “gente” cuja idade é considerada problemática e avessa à leitura.
Para todos os envolvidos, o ano lectivo anterior foi protagonista no exercício da leitura e da reescrita. De acordo com as diferentes temáticas apresentadas, os alunos dos 7º, 8º e 9º anos integraram um projecto de parceria com a Biblioteca da Escola e realizaram diferentes trabalhos de escrita para os três fóruns de leitura. De referir que vários trabalhos conseguiram surpreender-nos, quer pela componente estético-linguística que os distinguia, quer pela originalidade.
Cheguei a dizer que, se os trabalhos fossem bons nos vários domínios a cumprir, os colocaria no blog: Mediadores, Livros e Leitores (que eles entretanto já consultavam). Fiquei muito contente com alguns deles e, se “o prometido é devido”, como diz o velho ditado, parece-me não poder faltar à promessa. De facto, na sua quase totalidade (reporto-me aos seleccionados) os trabalhos são bons. Uns de muito boa qualidade, outros mais medianos, mas todos de uma grande significação para mim (que os orientei) e para as minhas colegas de parceria nesta coisas das leituras, que os leram com entusiasmo e também ajudaram na sua correcção. Fica então um muito obrigado às professoras Isabel Silva (que pacientemente ouviu as demais propostas) e Manuela Ramos (que tão gentilmente cedeu os livros da B.E. e também “agarrou” este projecto).
Aos meus alunos deixo um “obrigada” (muito particular) pelos momentos de permuta que tanto nos enriqueceram; aos autores das demais obras, um outro “obrigada”, com um apontamento de grande satisfação; aos restantes participantes, uma nota de incentivo pois muitos mais vão ser os trabalhos a desenvolver.

Gisela Silva
Cá vos deixo um dos primeiros trabalhos. Outros se seguirão. Acredito que vão gostar de ler os que os nossos alunos sabem fazer numa atitude de fruição e aprendizagem.
2007/2008
Pequeno comentário à obra
A Rosa do Egipto do Triângulo Jota:

Álvaro Magalhães é, como todos sabem, um prestigiado escritor que escreveu, entre muitos outros livros, a colecção Triângulo Jota, composta, até agora, por dezasseis obras. Este “imaginador”, como ele próprio se denomina, também sabe criar quando se trata dos mais velhos. A nossa professora, trouxe algumas para dentro da sala de aula.
Relativamente a: A Rosa do Egipto (livro que quisemos trabalhar), o mistério e o suspense fazem com que tenhamos cada vez mais vontade de chegar ao fim, longo o nosso interesse pela leitura não é fingido. Em todos os livros, os três jovens formam um conjunto perfeito: a Joana tem sempre o seu instinto apurado, o Jorge é a força do grupo, o Joel, por sua vez, é o intelectual, o pensador.
Assim, quando estão metidos em alguma alhada, todos conseguem sempre sair ilesos, pois apoiam-se e protegem-se uns aos outros.
A Rosa do Egipto, cujo enredo começa na altura do Natal, na confusão das compras (o que nos poderia levar a pensar num mistério numa rua, loja, tenda, ou casa qualquer) roda em volta do Egipto, o que nos faz voar até às pirâmides egípcias e aos seus túmulos ricamente decorados com inscrições coloridas, profundamente simbólicas.
Aqui, as rosas azuis também são um mistério. Tal como o enigma da pirâmide (que só aparece ao meio-dia), as rosas, não só por serem azuis mas também por ser Dezembro e haver rosas, levam-nos à riqueza simbólica do texto. Aventura, ilusão, empreendimento, tudo se mistura com a vontade e a força de criar um mundo ficcional e, de facto, nos últimos capítulos tudo se torna um mistério e a leitura faz-se de forma empolgante.
As emoções do último capítulo são visíveis quando o João dá a mão ao pobre velho momentos antes de este morrer. Sei que é difícil perder alguém que nos é querido, mas pior ainda é ver um pessoa morrer à nossa frente. O escritor soube narrar bem o episódio e mostrar que a leitura para os mais jovens também se faz de coisas e factos muito reais.

Daniela Santos, 8ºC

2007/2008
A partir do estudo da obra dramática “Antes de começar”, de Almada Negreiros, realizamos um trabalho de grupo que achamos poder ser partilhado com outros leitores.


O Boneco
O Boneco chegou a esta Companhia de Teatro, há 2 anos, mais precisamente, no mês de Abril. Desde então esta Companhia tem tido um grande sucesso e o Boneco está satisfeito com o trabalho que tem vindo a desenvolver. Hoje, irá dar mais uma entrevista. Contamos com a presença da prestigiada revista “Marionetas”
Marionetas: Boa tarde. Soubemos que esteve adoentado, já está completamente recuperado?
Boneco: Bem, não foi nada de grave, mas no nosso último espectáculo fiquei com os cordões todos entrelaçados e um dos nós magoou-me imenso.
Marionetas: Sabemos que gosta de trabalhar nesta Companhia de Teatro. Qual o balanço destes 2 anos?
Boneco: É um balanço positivo. Durante este tempo todo, realizamos duas digressões pelo país e atingimos os nossos objectivos. Acho que contribuí para alguns dos melhores espectáculos das duas digressões que já realizamos e isso torna-me feliz.
Marionetas: Sente que se sair no final da próxima digressão, que o faz com o sentido do dever cumprido?
Boneco: Não sei se vou sair no final desta digressão, mas se isso acontecer, parece-me que poderei sair de braços abertos e com um olhar de confiança. Parece-me, contudo, que ainda é muito cedo para falar nisso.
Marionetas: Vamos imaginar que irá sair desta Companhia, que outra o seduziria?
Boneco: Estou apenas concentrado no trabalho que desenvolvo aqui e na digressão deste ano, o resto não me interessa.
Marionetas: Já pensou alguma vez representar em televisão?
Boneco: É o sonho de qualquer actor, mas para já não está nos meus planos.
Marionetas: Quando aqui chegou o que lhe mais chamou à atenção?
Boneco: Sem dúvida a minha parceira Boneca, que é uma excelente profissional e uma amiga como poucas.
Marionetas: Como se sente, sabendo que não é a única marioneta que consegue falar?
Boneco: Sinto-me bem, porque posso comunicar. Antes de descobrir que a Boneca também falava eu não tinha com quem conversar. Já imaginou gente da nossa idade sem falar ou sem comunicar abertamente? Um horror, sem dúvida. Ouvi dizer que os jovens de hoje estão um pouco assim, sozinhos, isso não é benéfico. Todos temos de relacionarmo-nos.
Marionetas: Claro. E por falar nisso, tem alguma relação com Boneca e/ou já tiveram?
Boneco: Já tivemos uma relação, mas uma relação de dois adolescentes, igual à de todos os adolescentes.
Marionetas: Ainda pensa na boneca?
Boneco: Sim, mas só a vejo como uma boa amiga. Bem, já se faz tarde. Se não se importam…
Marionetas: Claro. Muito obrigado pela sua atenção. Quer deixar uma mensagem aos jovens?
Boneco: Sim, claro. Não lhe tomamos mais tempo. Sejam felizes. Escutem o vosso coração!

Os alunos: Joaquim Correia e Miguel Costa, do 8º C

02 agosto, 2008

As Estrelas do mar e o Peixe Prateado juntos de novo!

francisco+fernandes+002.jpg (image)
" A coisa comprida e negra abriu a grande boca e dela saiu um líquido preto que tingiu o mar... E o mar ia ficando cada vez mais escuro."

Nesta história o Peixe Prateado espanta-se com a falta de amor para com a natureza! Para ele a natureza ama-se, sente-se e vive-se... Para ele a natureza é amor como alteridade e reciprocidade. Ela proporciona-nos a vida, o que implica pois amá-la porque, a interdependência e a sobrevivência conjuntas interagem cada vez mais.
Esta história leva-nos a relembrar um outro conto, daquele escritor chileno Luis Sepúlveda. Neste seu conto:" História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar" ele diz-nos também, através da personagem kangah, que:
Acontecem no mar coisas terríveis. Às vezes pergunto a mim mesmo se alguns humanos enlouqueceram ao tentarem fazer do oceano uma enorme lixeira. Acabo de dragar a foz do Elba e nem podem imaginar a quantidade de imundície que as marés arrastam. Pela carapaça da tartaruga! Tirámos barris de insecticida, pneus e toneladas das malditas garrafas de plástico que os humanos deixam nas praias”. (Sepúlveda, 1996:85)
Aqui, tal como no livro de Francisco Fernandes, não se coloca a questão do legalismo, se é permitido ou não deitar lixo para o mar, mas sobretudo se o outro, a natureza, é considerado como entidade relacional imbuída de alteridade que interage cooperativamente com o eu humano.
O Peixe Prateado deixou de ver: " Não vejo nada e a água do mar está a ficar com um gosto muito estranho e mau!" e por pouco que não morria imerso no crude derramado por aquele petroleiro, tal como a gaivota Kengah, no livro de Sepúlveda:
“ (…) estendeu as asas para levantar voo, mas a espessa onda foi mais rápida e cobriu-a inteiramente. Quando veio ao de cima, a luz do dia havia desaparecido e, depois de sacudir a cabeça energicamente, compreendeu que a maldição dos mares lhe obscurecia a visão.”
Os dois ficaram momentâneamente cegos pela escuridão e foi-lhes portanto negada a sua participação na vida, por causa de uma visão reducionista da realidade que sobrepõe o interesse de uma espécie, à visão partilhada dos recursos terrenos porque, entre todos os seres viventes, (homens animais, plantas, minerais e vegetais) não existe uma experiência física e espiritual, que sem deixar de ter em conta a diversidade, valoriza a união do observador e do observado, formando um nós colectivo.
Como Savater (1993:35) nos pretende alertar: "É pelo conhecimento que nos consideramos livres e homem livre é aquele que quer sem a arrogância da arbitrariedade. Crê na realidade, quer dizer, no elo real que une a dualidade real do eu e do tu."
A relação de alteridade e de reciprocidade tem sido destruída pelos humanos e a natureza sofre com isso. Como último recurso Dias de Carvalho (2001:24) refere que é necessária uma :” educação cívica (...) dos direitos e dos deveres que erige como objectos de acções responsáveis prioritariamente outros indivíduos; por outro, e em simultâneo, uma educação dos direitos que acentua as prerrogativas dos outros relativamente ao próprio. (…) Um para o outro, eis a estrutura do sujeito que, lhe confere, através da responsabilidade, a dimensão do humano".
E acrescenta que se impõe cada vez mais a: “A solidariedade e a tolerância (...) como valores universais da chamada “sociedade planetária”. Insinuam-se mesmo como seus fundamentos éticos no âmbito de uma relação com a sociedade e com a natureza que excede o nível de um mero compromisso moral da consciência”(Dias de Carvalho, 2000:101)





17 julho, 2008

Duas Estrelas do Mar e um Peixe Prateado

Autor: Francisco Fernandes

Ilustrador: Janine Fernandes

Editor: Associação de amigos do Centro de Expressões Artísticas


"Olá estrelas do mar!, respondeu o peixe prateado e continuou: “ Estou sozinho e vou nadando por aqui. Procuro amigos. Bem…na verdade eu nem sei bem o que é isso de ter amigos, acho que nunca tive nenhum, mas…”

É com este pequeno segmento que acabámos de citar que Francisco Fernandes abre a narrativa de Duas Estrelas do Mar e um Peixe Prateado.

Tratando-se de um autor madeirense, já com alguma produção no campo da literatura de recepção infantil, Francisco Fernandes revela, no texto que estamos a compartilhar, conhecer profundamente um dos problemas com que a humanidade hoje se confronta: o isolamento, num mundo globalizado.

Nesta história conhecemos um Peixe Prateado, personagem e herói principal de uma história de amizade, que nos faz ingressar na vida simples de um peixe e da sua incapacidade de se assumir como amigo de alguém. Contudo, por circunstâncias várias do destino, encontrou as estrelas do mar que, sem banalidades discursivas, lhe falam da amizade incondicional e da sua dinâmica criativa, relacional e convivial que implica a mobilização de sentidos perante a vida.

Este tema da amizade, tão comum nos livros para crianças mais pequenas, faz-nos antecipar propostas de alteridade e reciprocidade que nos remetem para as desastradas relações humanas tão separadas, divididas e destruídas apesar de, muitas vezes, tão próximas virtualmente, pela força das tecnologias que nos resguardam de confrontos connosco próprios.

Lembramo-nos de Leonardo Coimbra (1915:105) quando diz que o mal, é a ignorância dos outros, é a queda, a morte como separação, contrária à relação amorosa. Nesta perspectiva, a ignorância dos outros é que constitui o inferno. (Pereira, 2000:129)

O Peixe Prateado estava no seu inferno, sem amigos, e por isso desejava desesperadamente ter alguém com quem partilhar o seu caminho. As estrelas, símbolos de guias espirituais que cruzam os céus/mares ensinaram-lhe a forma de tornar a sua aspiração possível. Ao porem-se em com – tacto com o peixe devolveram-lhe a humanidade perdida permitindo-lhe compreender que os actos de conhecimento do outro, do mundo e do universo são também e acima de tudo actos de estima e de atenção carinhosa, que lhe vão possibilitar encontrar-se com ele próprio e com os seus mais recônditos receios.

No final da história, o Peixe Prateado já sabia o que era ser amigo e tinha interiorizado também aquele sentimento extraordinário, que só a língua portuguesa consegue inteiramente transmitir:

“Agora que já somos amigos…acho que já sei o que é sentir saudades…”

23 junho, 2008

Amadeo e o Mundo às Cores

Autor: Losé Jorge Letria
Ilustrador: Chico
Editora: Ambar
Ano: 2007


Percorrer esta narrativa ficcional sobre Amadeo de Souza-Cardoso (1887/1918), pintor, é encontrar um conjunto de símbolos que captam a atenção do jovem leitor para a observação crítica da realidade e inserem-no nos paradigmas que o levam à compreensão das ideologias de uma determinada época, apontando-as como fenómenos que podem determinar a evolução de uma sociedade.
Usando estratégias reveladoras dos destinatários preferenciais, sobressaem as grandes linhas orientadoras que traçam o perfil humano, artístico e psicológico da personagem destacada, inserida numa época que não lhe facilitou poder dar visibilidade e ver reconhecida a sua criação artística.
Adequando a narrativa ao mundo infantil, o narrador não deixa de incluir nesta ficção biográfica uma entidade feérica que acompanha todo o percurso de Amadeo: está presente no seu nascimento, visita-o durante o sono, é anunciadora dos obstáculos que surgem no percurso incompreendido do artista e chora a sua morte, assumindo uma atitude humanizada na medida em que lhe é impossível impedir o desaparecimento do amigo. Assim, esta Fada introduz o conceito de Fados ou Destino em que a lei natural sobressai como condição obrigatória para o cumprimento da demanda do herói, em lugar de ser atribuído aos seres sobrenaturais o domínio do seu percurso.
Este fenómeno pode derrogar as expectativas do pequeno leitor habituado a ver as fadas com os seus objectos mágicos a resolverem os problemas das personagens, mas aproxima-os na noção de Realidade, dando-lhes a perceber que o acesso à condição de herói se faz por etapas, em demandas exigentes onde o inconformismo ideológico e psicológico surgem como motivação intrínseca para a construção da humanidade autêntica.
Este livro é uma proposta de leitura para todos os que gostam de ler sobre grandes vidas e para aqueles que gostam de dar a ler textos em que essas vidas são ficcionalizadas com arte bastante para que as crianças acedam com facilidade aos ideais, que mais não são do que a sombra projectada pelos ideais assumidos pelos heróis.

Teresa Macedo

05 junho, 2008

COLÓQUIO Padre António Vieira

Terá lugar no próximo sábado, 7 de Junho, na Aula Magna da Faculdade de Filosofia, o COLÓQUIO Padre António Vieira.
Pela figura marcante que se evoca; e pelavariedade dos participantes, com conferências e comunicações, valerá a pena assistir.
Inscrição: 15 euros

01 junho, 2008

Ciclo das fadas (IV) - A Fada Oriana

AS FADAS
As fadas...eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, à beira do mar...
Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder...
(...)
Antero de Quental

A fada Oriana de Sophia de Mello Bryner Andresen era também, como a fada de Antero de Quental, uma fada que vivia "dançando nos campos, nos montes, nos bosques, nos jardins e nas praias."(Andresen, 3) Aliás quase toda a mística das histórias de fadas se desenrola nalguns destes lugares. As fadas nunca vivem aprisionadas, fechadas, escondidas. Elas vivem na natureza, são divindades da natureza associadas especialmente às árvores, aos bosques, às águas das fontes e às flores de jardim.
A fada Oriana, como o próprio texto nos diz, é uma fada boa, bonita, alegre e feliz, a quem um dia a Rainha das Fadas incumbiu a tarefa de cuidar de uma floresta, bem como de todos os homens, animais e plantas que ali viviam. Ela era a fada madrinha de uma pobre velha, de um pobre lenhador e de um pobre moleiro. O mundo exterior (macrocosmo) e mundo humano (microcosmo) estavam a seu cargo e devido a isso foi-lhe permitido usar das suas asas e da sua varinha de condão.
Segundo Chevalier (1999:67), as fadas representam simbolicamente a capacidade que o homem possui para construir, na imaginação, os projetos que ele próprio não pode realizar. De facto, a suprema capacidade de ajudar e cuidar dos outros - sejam eles coisas ou animais - a devoção da ajuda é das tarefas mais difíceis de ser conseguida pelos seres humanos pois "Parece evidente que os homens são levados, por um instinto ou predisposição natural(...)" (Hume.76)
Ao salvar um peixe da morte conseguiu ver o seu reflexo na água e achou-se muito bela e a paixão pela sua beleza empurrou-a para o mundo real, empirico-histórico factual onde o desprezo e o abandono do outro são apanágio da condição humana."Ao voltar-se sobre si própria, sobre a sua imagem física, num explícito movimento egocêntrico, ao qual não falta, inclusivé, a contemplação narcísica nas águas "(Silva, 2) deixou de visitar o poeta e, um por um, foi abandonando todos os homens, animais e plantas que viviam na floresta, à sua sorte.
O castigo, para esta fada, foi sair do paraíso, simbolizado pelos dois objectos que caracterizam as fadas: a varinha de condão e as asas, que lhe foram então negados não os podendo nunca mais usar. Também lhe foi vedado o contacto com todos os seres e animais que aliás, há muito tempo, já tinham partido para longe. Também o poeta, o único ser humano que a podia ver, entrou em estado de tristeza total, ao ser privado do seu contacto e do contacto com a natureza que o nutria de força espiritual.
Ao apartar-se do seu destino primordial e seguindo um caminho manifestamente diferente para o qual tinha sido fadada, "Oriana debate-se numa tentativa sofrida de religação e de reabertura generosa às restantes personagens, procurando repor a ordem inicial e redimir-se do mal provocado (...). (Silva, 3)
O altruismo superou o egoismo assim como o espaço natural predominou sobre o espaço urbano, local onde em última instãncia, vivem nos dias de hoje, todos os males do mundo. Oriana descobriu que "O Mundo só está vivo para a pessoa que desperta para ele. Só o relacionamento com os outros nos desperta do perigo de deixar nossa vida adormecida." (Bettelheim,1976:134)

31 maio, 2008

A Coragem do General Sem Medo


Autor: José Jorge Letria
Ilustradora: Evelina Oliveira
Ano: 2008
Editora: Campo das Letras



Esta narrativa constrói-se através da actuação de uma teia genealógica que, sustentando-se nos pilares fortíssimos da memória, se movimenta num espaço naturalmente edificado, que afasta intencional e deliberadamente esta ficção biográfica do lugar-comum da expressividade, corroborando a iconografia pictórica para expandir, junto dos seus leitores, as dimensões plurissignificativa e polissémica suscitada pelo texto, que faz emergir um dos “temas e figuras da História portuguesa” (2008:36).
A capacidade retrospectiva de um dos intervenientes desta ficção historiográfica – o Avô - contextualiza o enredo, aproximando-o o mais possível de aspectos factuais onde o Conhecimento surge como um capital simbólico que tende a tornar-se absoluto devido a ter sido presenciado e vivido com a “curiosidade infinita de quem quer descobrir o mundo” (2008:9), assumindo-se nesse papel o “neto Gonçalo” (2008:8).
A dinâmica coloquial intergeracional vai construindo o percurso de Humberto Delgado – o General sem Medo – assim designado devido à “coragem que (…), sempre demonstrou (…) sabendo que iria pôr a sua liberdade e até a sua vida em risco” (2008:15), apontando o narrador, nas datas e nos locais, as conexões ao real com o rigor que se exige nos relatos históricos.
Por outro lado, as vozes ficcionais demarcam os registos ideológicos de todos os intervenientes, assinalando os medos, os anseios, os sentimentos negativos, as crenças e as dúvidas, induzindo ao exercício de uma cidadania crítica construída através do saber pensar, questionar e agir.
Se “Gonçalo ficou a pensar no relato feito pelo avô” (2008:18), encontramo-lo no instante da interioridade por excelência – o espaço do sonho – a assimilar os paradigmas simbólicos que o General sem Medo representa em todo o enredo e a liderar o processo de construção da sua aprendizagem numa Escola enunciadora dos tempos mudados, onde a pedagogia colaborativa está representada nas acções dos alunos, na mediação da professora e na atitude participativa da família.
Os componentes emotivos gerados pela interlocução que a criança efectua com a professora (2008:22-25) acentuam mudanças significativas na atitude do adulto que medeia o Saber, sendo visíveis os ensinamentos que anunciam um interior motivado para o exterior real.
Tal facto, incrementa a valorização de Humberto Delgado que, mesmo “tendo em conta as dificuldades e fracassos da fase inicial da sua vida” (2008:36), encetou a busca por um ideário de Liberdade, chegando “até onde ninguém fora antes” (2008:36), surgindo nesta ficção biográfica como um herói que os mais novos tomarão como símbolo da condição do Homem que trespassa as barreiras do real, posicionando-se no lugar “muito distante e luminoso onde se devem sentar todas as pessoas de bem” (2008:39).

Teresa Macedo

22 maio, 2008

Ciclo das Fadas(3) - A Fada Atribulada

"Como pode uma fada tão pequena criar confusões tão grandes? A sua varinha está torta, as suas asas estão cheias de fita-cola e os seus truques causam sempre confusão! Mas é a fada mais querida de que há memória!" lê-se na capa do livro "A Fada atribulada - Uma Competição Mágica".
E aqui temos nós mais um livro, em que a personagem principal é uma fada! Mas esta, ainda anda na escola, onde a professora Asafirme dirige as suas alunas com amor, sem as deixar desviar, um segundo que seja, das suas obrigações. Contudo, a Fada Atribulada nem sempre está disposta a fazer as actividades da escola das fadas com diligência: " enquanto vestia o uniforme cor-de-rosa e calçava os seus sapatinhos de fada" pensava como "agora as aulas difíceis iam recomeçar!"
As histórias de fadas lembram-me sempre Nietzsche (1872) e a sua relação entre ciência e mito. Ele diz-nos que o aniquilamento do mito determina a expulsão dos poetas da República. Por poetas ele queria dizer os sonhadores, os criadores de utopias, e todos aqueles que carregam a chama do reencantamento. Reencantamento não como uma volta a um passado, mas como uma restauração ideal que reaproprie o presente, naquilo que o presente ofereçe como possibilidade de encanto. As fadas e as suas histórias são isto mesmo! Uma restauração da inocência perdida que todos buscamos e nem sempre sabemos encontrar!
O que queremos dizer com isto? Que muitas vezes o sentido que enunciamos ficou vazio, razão pela qual é necessário reencontrar a verdade da palavra: a união da palavra com a coisa enunciada. Daí a plenitude da poesia e do poder da palavra que as fadas, com a sua varinha de condão, tão bem sabem usar para fazer acontecer os nossos mais ínfimos desejos! Mas para isso, é necessário virar o mundo de cabeça para baixo. ..para podermos encontrar, outra vez, a sensação mágica das coisas.
Quanto à Fada Atribulada, da nossa história, ela ganhou as Olímpiadas das Fadas, que moravam na casa da árvore! Ela teve que saltar, pular, andar a cavalo, trepar pela corda, sempre com a Fada Arrepiada no seu encalço, a pregar partidas de toda a ordem! Os obstáculos vivenciados fizeram contudo da Fada Atribulada uma verdadeira FADA , que usava a sua arte como um exercício sensitivo e intuitivo, para uma nova forma de perceber, estar e pertencer ao mundo, tudo isto ligado a uma busca de soluções para os problemas que nos atropelam e ameaçam a nossa própria sobrevivência.
Termino este pequeno texto, sobre esta fada, que nos remete, como todas as fadas, para os mundos imaginários, apoiados nas raízes do passado e na criatividade do presente e que resgatam poéticas que dão um sentido à vida pela alegria, pelo lúdico e pela imaginação.

20 maio, 2008

Como se fazem as histórias?

Decorrem, na 6ª feira, dia 23 de Maio, pelas 15h00, na Sala de Actos do Conselho Académico (campus de Gualtar, Braga), as provas de Mestrado em Estudos da Criança - Análise Textual e Literatura Infantil, requeridas pela Lic. Rita Simões, subordinadas ao tema Como se fazem as Histórias? Os Exercícios de Metaficcionalidade em Obras Narrativas de Literatura Infantil Portuguesa Publicadas entre 2000 e 2006.

O Capuchinho Vermelho em debate

Decorreram, no dia 13 de Maio passado, com pleno sucesso, as provas de Mestrado em Estudos da Criança - Análise Textual e Literatura Infantil, apresentadas pela Lic. Mariana Couto, subordinadas ao tema O Capuchinho Vermelho: os Novos Sentidos de uma Velha História.

14 maio, 2008

Ciclo das Fadas (2) - As fadas do vento de Anna Dale

Alguém já se imaginou numa história voando pelos céus, em Londres do século 20? Bom, a história desta escritora britânica conta-nos como Joe, um rapazinho normal, surpreende todos quando conhece e convive com Twiggy, a sua amiga inseparável. Juntos vão resolver o mistério do desaparecimento de uma página do livro mágico e, nessa sua demanda, tornam-se inseparáveis e verdadeiros amigos.
Contudo, muitas vezes, Joe deixa a sua amiga em perigo, embora ela nutra por ele verdadeiros sentimentos de lealdade. Empurrado por impulsos destrutivos do seu inconsciente, Joe não percebe que, frequentemente, o perigo é real e verdadeiro, vindo ora do mundo empírico-histórico factual ora do mundo imaginário.
Mas, Joe reconsidera e ao compreender que deixou Twiggy realmente em perigo volta a correr para a salvar.
Neste livro, as fadas do vento têm um papel leve como a brisa. A sua presença, sempre suave e subtil, percorre o texto para nos lembrar que as suas palavras mágicas são sempre escutadas por quem tem ouvidos de criança. São elas também que nos dão “os nossos poderes mágicos” (2004:190) que são as nossas capacidades de lutar sempre o bom combate, pelo lado da verdade do bem e do belo.
Contudo, as palavras mágicas são apenas “murmuradas …aos poucos escolhidos…”.
Os que não fazem parte deste mundo, do outro lado do espelho, pensam que “… o poder de um grande intelecto… “ pode suplantar “a magia das fadas do vento e silenciá-las para sempre e libertando o mundo da magia”. (2004:191)

13 maio, 2008

Meu Portugal Brasileiro


Título: Meu Portugal Brasileiro
Autor: José Jorge Letria
Editora: Oficina do Livro
Ano: 2008

O romance histórico, recentemente editado, do escritor José Jorge Letria, autor que nos habituou a uma publicação regular de obras destinadas ao público infanto-juvenil, vem preencher um lugar de relevante importância no contexto da sua abundante produção literária, onde o destinatário adulto poderá encontrar conteúdos onde o Real e o Ficcional se entrecruzam, promovendo a compreensão de factos que, devido à sua complexidade e distanciamento temporal, doutra maneira estariam mais arredados da maioria dos leitores.
O Eu narrador, interveniente e espectador, toma a seu cargo a fidelização da factual transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1807, tecendo a trama de um enredo povoado por múltiplos rostos, onde a representação da infância não passa despercebida.
Com efeito, no meio da turbulência da partida, “nessas horas de aflição e de incerteza” (2008:37), encontramos as crianças “excitadas pela emoção do embarque (…), entusiasmadas com a possibilidade de irem conhecer por dentro navios de guerra” (2008:37) e, durante a viagem, “a brincar no convés com pedaço de cordame e inventando jogos com coisa nenhuma, usando apenas esse verdadeiro tesouro humano que é a imaginação” (2008:48).
Esta referência à Criança enquanto ser construtor e imaginante, inserida num contexto disfórico, acentuam o vínculo afectivo doado pela focalização narrativa onde os mais novos se destacam na sua capacidade de adaptação às contrariedades da vida, opondo-se aos representantes do mundo adulto menos receptivos a “lidar com a dureza da realidade” (2008:65).
De facto, no meio de uma agitada turbulência social e política inscrita na historicidade de Portugal e do Brasil, o porta-voz da narrativa deixa emergir um afecto especial por todos aqueles que ficaram mais arredados dos registos históricos, mas que não deixaram de participar, sofrer, agir e interferir nas transformações factuais e ficcionais, actuando junto dos principais intervenientes. O papel desempenhado pelas mulheres comuns que, por oposição às representantes da Corte, assume um estatuto de respeito, de abnegação e de orientação espiritual é disso um exemplo. Leonor, “amante das letras e das ideias novas” (2008:20), Marília que gostava de “ler e de ouvir música e tinha um gosto requintado e exigente” (2008:147), espírito antiesclavagista e partidário da independência do Brasil e Jandira com o seu “dom feiticeiro de enxergar o que os olhos não conseguem ver” (2008:111) são presença e grandes pilares de referência, representantes de um movimento de abertura ao Conhecimento quando se temia este poder nas mãos das mulheres.
O Povo é o rosto colectivo da eficácia simbólica, pois nomeado na degradante situação doada pelo abandono político, representa um Portugal de “espectros e de lamúrias” (2008:125) que só encontra eco da sua condição na histeria e na loucura de D. Maria, que entendia aquela viagem “uma traição à pátria” (2008: 25).
Desta forma, todos aqueles que, não sendo detentores de uma voz poderosa, ganham na ficcionalização um novo estatuto, onde se corporizam os valores emergentes de sempre, apoderando-se de condições que os incluem nos lugares de destaque e de grande observação discursiva, tal como acontece com os escravos, “portadores de saberes muito antigos, vindos do interior da África tribal, onde aprendiam, praticamente desde a hora do nascimento, a ler os sinais que a Natureza tinha para lhes transmitir” (2008:120).
Todos estes rostos são moldados por um artífice hábil em manusear a palavra, que tem o poder de descrever o ínfimo comportamento e de definir os múltiplos sentidos em domínios onde a poeticidade, a ironia e a cientificidade andam entrelaçados.
Se a estratégia de corporizar num narrador a vivência e a percepção de uma realidade multifacetada exerce um efeito dominante nesta ficção historiográfica, estas personagens conferem à narrativa um carácter integrador e valorizador dos que socialmente não são tão destacados e reflectem um acto de criação onde todos os aspectos da mundivivência humana são observados.
A circularidade da demanda do Eu da narração e o contorno das provações que põem termo ao distanciamento de um filho que nunca viu, encontra na exaltação do onírico a força cósmica capaz de doar o equilíbrio à sua interioridade, balizada por princípios axiológicos de permanente abertura à Alteridade, à Liberdade e ao Afecto dedicado a D. Pedro que “ se tornaria imperador de um país soberano” (2008:206).
Sem dúvida que José Jorge Letria ostenta, neste romance, a mestria de quem já percorreu múltiplos géneros literários, traçando as constelações semânticas que vinculam o mundo ficcional e o histórico-factual numa construção de excelente qualidade literária, da qual se deixam aqui alguns registos como convite a umas horas de fruição e de leitura.

Teresa Macedo







25 abril, 2008

O Ciclo das Fadas (1) - As Fadas Verdes

Para iniciar o ciclo das fadas, trazemos aqui um livro de Matilde Rosa Araújo: As Fadas Verdes.Mas antes, não podemos deixar de referir e lembrar Albert Einstein,quando nos ensinou que: "If you want your children to be intelligent, read them fairy tales. If you want them to be more intelligent, read them more fairy tales." De facto, inúmeros escritores, poetas, cientistas, psicólogos e pedagogos têm referido a importância do Imaginário na vida dos seres humanos pois a sua ausência amarra as imagens no tempo e no espaço e consequentemente aprisiona o sentido e os sentidos da vida.Pelo Imaginário, descobrimos a verdade. Não aquela que vem de fora para dentro, mas como dizia Poirot, esse detective extraordinário inventado por Agatha Christie, "...a descoberta da verdade tem de vir de dentro para fora e nunca de fora para dentro." (Christie, 1824)

Alguns já nascem com uma capacidade exponencial de construir imaginários, e daí resultam personalidades marcantes na vida artística , literária ou científica. Todos nos lembramos de Leonardo D'Avinci e dos seus desenhos visionários e futuristas, de Shakespeare e da sua capacidade de teatralizar com refinada sofisticação a natureza humana, de J.R.R. Tolkian e da sua criação de mundos ou universos alternativos e de Fernando Pessoa e da sua multifacetada criação de outras vidas imaginárias, através dos heterónimos. Tanto eles como outros, com a sua percepção crítica e arguta da realidade, catapultaram a mesma, para os patamares mais altos da actividade humana que é a Imaginação criadora Artística.

As fadas, esses seres que povoam o nosso imaginário colectivo, permitem-nos também, com a sua simplicidade, chegar a esse supremo nível de aprendizagem artística que é o " Olhar para lá das aparências, e dar o salto para o lado de lá ... para chegar à raiz ... para onde se joga a poesia ou o novo sentido das coisas". (Meneres, 2003).Elas garantem-nos, em última instância, que há maneiras diferentes de ver o mundo, formas inovadoras de sentir o aqui e o agora, como contemporâneos uns dos outros, sentindo que as dificuldades podem ser vencidas, as florestas atravessadas e os caminhos de espinhos cortados.

As fadas pacificam-nos, instigam-nos a olhar para a natureza, para o verde das plantas, das árvores, das folhas e que por serem dessa cor verde, matizada de vários tons, misteriosamente ressoam a refúgio de esperança, nesta nossa existência, que se diz a curto prazo e para a qual não sabemos "... what tomorrow will bring... " .(Pessoa, 1935)

Esperamos, com a leitura das Fadas Verdes e ao iniciar este Ciclo das Fadas, saborear a sua magia ao alcance do pensamento e também "... divined the potency of the words, and the wonder of things, such as stone, and wood, and iron; tree and grass; house and fire; bread and wine." (Tolkian, 1939)

13 abril, 2008

Mozart, o menino mágico


Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: Gabriela Sotto Mayor
Ano: 2006
Editora: Ambar
ISBN: 972-43-1102-3



Associo à leitura desta narrativa o poema “O essencial está na música” do mesmo autor, pois a correlação intertextual que se estabelece é íntima no conteúdo e no poder metafórico da linguagem que neles se patenteia, revelando um poeta/narrador conhecedor profundo do “horizonte da música ( 2006:12) e com uma sensibilidade rara à “matéria cantante de que é feita” (2003:397), matéria que se evoca e regista na ficcionalização biográfica de “Mozart, o menino mágico”.
Enunciaria, ainda, a subtileza com que esta narrativa define o destinatário preferencial que, longe de o perspectivar sob um prisma de reduzida competência hermenêutica, dá-lhe mecanismos para decompor a polissemia de alguns termos que são apresentados no espaço cénico da casa, ou seja, o lugar do devaneio (Bachelard, 2003), que a leitura desta obra poderá realizar.
Com efeito, uma “janela” voltada para a “rua” anuncia a “lonjura dos caminhos” (2006:14), que demarcará o percurso predestinado e ascensional de “Amadeu”, menino detentor de uma existência bipolarizada entre o prodigioso e precoce domínio “da música que nasce, irrequieta, dos seus dedos” (2006:14) e um desenvolvimento psico-emocional que o inclui ao longo de todo o acto narrativo na permanência na infância. O facto de ser “sempre menino” (2006:18) confere-lhe um sentido Divino associado à mitologia poética, que observa a infância como uma idade sagrada, miraculosa e sublime, potente e misteriosa, pois encerra o segredo de uma capacidade que o faz “mestre”, instintivamente apaixonado pela música que “abraça o corpo esquivo da palavra” (2003) e é “balanço subtil da alma dentro do texto” (2003).
Ele corporiza um plano imanente que se vai revelando na afirmação das forças que movem a encarnação individual e as directrizes mítico-simbólicas que se lhe associam, configurando-o como um guia imbuído de qualidades superiores, capaz de edificar o cosmos onde se integra: “ele é o único habitante capaz de pôr ordem nesse universo, de lhe dar harmonia, sentido e voz” (2006:30).
Mozart simboliza o “si-mesmo” da harmonia psíquica pois, tal como os deuses criadores do mundo, é capaz de reunir os opostos com total autonomia e liberdade. Concretiza a vivência infantil no acto de tocar, desvinculando-se dos objectos tradicionalmente usados na infância, reactualiza a sua condição de criança ocupante de um mundo adulto, não deixando, porém, de exercer, através da mimese, a ligação a esse mundo: “às vezes, lembra-se que ainda é menino e em vez de música deixa uma pirueta, uma careta na lembrança dos cardeais e duques” (2006.18).
Perante este deambular interior por universos distintos, só no onírico é que concretiza a percepção do real, observando que o triunfo “é um tapete de espantos e vénias que se desenrola a seus pés” (2006:22), porque o milagre da criação não lhe deixa tempo senão para compor “sempre, com uma pressa só igual à de quem corre contra o tempo” (2006:29). Sem dúvida que a vida plena e exaltante encontra no limite temporal a grande barreira que “lhe magoa o peito” (2006:37), porque uma “vida inteira (…) seria breve para toda a música que tem dentro da sua cabeça” (2006:37).
Ambos os textos assinalam a “dimensão trágica do Requiem” (2003) e nos dois há um “pássaro”, símbolo dos ambientes sombrios, nictomorfos, acolhedores do sofrimento e da resistência à Morte. Desta forma, Mozart, a “eterna criança” prepara a sua desencarnação da matéria e a ascensão ao lugar da perenidade da memória. Aqui, e no registo deixado na construção ficcional desta biografia, encontrará o território onde, por excelência, a redenção se efectiva e que, tal como a música, “ninguém a verá cativa/de um ofício de escrita que a ignore” (2003).
Teresa Macedo
Bibliografia:
Bachelard, Gaston (2003 [1ª Ed. 1989]). A poética do espaço. S. Paulo. Martins Fontes.
Letria, José Jorge (2003). O Livro branco da melancolia in O Fantasma da Obra II. Lisboa. Hugin, 397-398.