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06 junho, 2007

O tesouro dos livros


Margheriti, Monia (2003), O livro mágico. Ilustração de Monia Margheriti. Maia: Edições nova Gaia. ISBN: 972-712-282-5




O livro mágico é uma obra de Monia Margheriti[1]. Esta é, ao mesmo tempo, a autora e ilustradora da obra.
Este livro fala de um pinguim, chamado mimo, que descobriu, no seu sótão, um grande tesouro – um livro. Esse livro já era de sua mãe. Esta considerava-o um livro mágico, pois, se não o fechasse antes de dormir, «algumas letras, mais indisciplinadas, sairiam para fora das páginas e transformariam tudo numa grande trapalhada».
Mimo, entusiasmado com o livro, acabou por adormecer sem o fechar e, no dia seguinte, encontrou no jardim uma personagem do livro que tinha lido. A mãe aconselhou-o a ir ter com o Velho Sabichão Mil-livros (mocho), o qual, em troca de um bolo, lhe ajudaria a resolver o problema. Quando mimo encontrou o mocho, este emprestou-lhe uma máquina que conseguiu engolir a personagem da história. A partir desse dia, a mãe decidiu passar-lhe a contar as histórias antes de dormir e, assim, não haveria a probabilidade de o mimo se esquecer de fechar o livro e, ao mesmo tempo, ambos estariam mais juntos.
Este livro leva o leitor, desde a sua capa, mais particularmente do seu título, até ao fim da obra, a conhecer e aprofundar mais sobre o verdadeiro mundo dos livros e a magia que eles envolvem
O título da obra introduz, desde logo, o leitor no universo ficcional e, em particular, no domínio do maravilhoso. A nível morfológico, a presença do artigo definido confere qualidades diferentes ao discurso. Valoriza o substantivo, destacando-o, mostrando ao leitor que não se trata de um livro qualquer, mas de um livro dotado de uma singularidade: a sua natureza mágica.
A associação do livro a mágico activará, inevitavelmente, a imaginação e expectativas dos leitores e levá-los-á a inferir que se tratará de um livro diferente dos habituais.
A magia é a arte de produzir efeitos contrários às leis da natureza. O livro terá, então, virtudes ou produzirá efeitos surpreendentes e inexplicáveis.
Na verdade, neste livro há uma ruptura entre a realidade e a ficção, a fronteira entre o sonho e a realidade é muito estreita e demonstra que, por vezes, basta um livro aberto para que a magia das palavras transborde e dê origem a acontecimentos maravilhosos. Isto significa que os livros, ao mesmo tempo que nos “…concedem a possibilidade fantástica de percorrermos a considerável velocidade lugares vários, ficando praticamente imóveis…” (Sousa, 2000:19) e nos fazem estremecer, reflectir, pensar, sonhar, são também capazes, através da suas histórias, contos, magia levar os seus leitores a aprenderem muitas coisas, e, desta forma, passarem a percepcionar o mundo histórico-factual de uma forma mais clara, mais feliz, onde os leitores são mais activos, dinâmicos e não são tão facilmente manipulados e vulneráveis.
Esta obra não é a única onde se verifica esta ruptura entre a realidade e a ficção, também está presente na obra a “Artur e a palavra mágica” de Paulo Tito e em obras de António Mega Ferreira.
Neste livro, as ilustrações contribuem para confirmar a pluri-isotopia do texto e dão-nos a sensação de que estão ali a enriquecer o pitoresco das palavras. As ilustrações, para além de realçar o que está dito no texto verbal, permitem ainda completá-lo, ou seja, não são um apêndice do texto verbal ou algo suplementar, mas sim algo que o completa. Vemos nelas claramente a ruptura entre realidade e a ficção, pois, enquanto a mãe lê o livro ao mimo, deste saem várias personagens infantis (coelhos, anões, ursos, ratos, mocho, porcos bruxas). Também se verifica esta ruptura quando aparece o monstro cor-de-rosa do livro, no meio do jardim do mimo.
Por outro lado, o tamanho e o tipo de letra não é sempre igual, existem palavras integradas no texto icónico que não estão no verbal.
Neste livro, verificamos também, que os livros atravessam gerações e continuam com a mesma magia e com capacidade de encantar quer os adultos, que já os leram, quer as crianças que os vão ler pela primeira vez, pois o livro que mimo encontrou e adorou, já era de sua mãe e era o seu preferido.
Ao mesmo tempo, este livro contribui com uma espécie de conselho para os pais, acerca das vantagens de lerem historias aos seus filhos antes de dormirem, como fez a mãe de mimo. Demonstra que esta atitude, para além de estimular as crianças no gosto pela leitura e escrita, permite a criação de um espaço de intimidade entre os adultos e a criança.
Também constatamos que neste livro há o «fenómeno do dialogismo textual» (Silva, 1990: 625), ou seja, que nele «…se entrecruzam, se metamorfoseiam, se corroboram…outros textos, outras vozes e outras consciências» (idem, ibidem:625). Pois, há uma alusão à história do capuchinho vermelho. Isso infere-se na parte em que a mãe do mimo lhe dá um bolo e diz para o levar ao Velho Sabichão dos Mil-livros para ele, em troca do bolo, os ajudar a resolver o problema da personagem da historia que está no jardim. Ele, pelo caminho, encontra uma família de ouriços-cacheiros que o ajuda a encontrar a casa. O mesmo se verifica, de modo semelhante, no conto do capuchinho vermelho.
Em suma, o “livro mágico” é uma história cheia de doces feitiços para as horas mágicas de leitura. Como refere Rute Gil «um livro nunca é apenas um livro, é um amigo, um confidente, uma aventura ou uma viagem».

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