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29 dezembro, 2006

desconstrução paródica

Desconstrução paródica

Soares, D. Luísa (1986). A vassoura mágica. Ilustração de Paula Oliveira. 5ª Edição (2001). Edições ASA. ISBN: 972 – 41 – 2122 – 4. A partir dos 10 anos.


O livro A vassoura mágica é uma obra da autora Luísa Ducla Soares, que nasceu em Lisboa, a 20 de Julho de 1939, onde se licenciou em Filologia Germânica. O seu primeiro livro de poesia data de 1970 e intitula-se Contrato. Desde então a escritora tem-se dedicado como estudiosa e autora à literatura infanto-juvenil. Recebeu o "Prémio Calouste Gulbenkian para o melhor livro de literatura infantil no biénio 1984-1985" e o "Grande Prémio Calouste Gulbenkian" pelo conjunto da sua obra em 1996. As suas obras encontram-se traduzidas em diversos línguas, nomeadamente francês, catalão, basco e galego.
O título da obra envolve o leitor num ambiente ficcional, no domínio do maravilhoso. A associação do substantivo vassoura e do adjectivo mágica fazem com que o leitor active os quadros de referência intertextuais, onde a vassoura surgirá por hipótese ligada a uma bruxa que interfira na vida de outras personagens.
A vassoura representa o instrumento utilizado pela mulher nas tarefas domésticas porém, esta não será a uma vassoura qualquer uma vez que lhe é atribuída a qualidade de ser mágica.
A narrativa inicia-se com uma expressão hipercodificada que nos liga logo ao mundo ficcional. A fim de obter cooperação interpretativa com o leitor, o narrador apela, por meio da anáfora, e insiste na especificidade da vassoura: “Era uma vez uma vassoura que não era uma vassoura que não era como as outras vassouras…Não era uma vassoura de jardim…Não era uma vassoura de sala…Era uma vassoura mágica”(Soares, 2001: 1).
A segunda personagem da obra é a bruxa Rabucha, dona da vassoura. Mais uma vez, se supõe a activação de quadros de referência intertextual por parte do leitor por causa de determinados elementos estereotipados, como os adereços e a casa onde ela vive; a vassoura é descrita como capaz de voar “E a vassoura voava, como um cavalo de asas.” (Soares, 2001). Há uma desconstrução da bruxa, que é apresentada como sendo capaz de experimentar sensações como o frio, donde se deduz a sua fragilidade. E se as marcas como o vestuário e a habitação levam o leitor a activar a sua bagagem cultural, a desconstrução paródica é notável na perda da capacidade divinatória, na percepção de que a profissão de bruxa esta em vias de extinção, e até no facto de a própria vassoura envelhecer.
Depois da perda da vassoura, a bruxa recorre a anúncios a fim de encontrar emprego. Mais tarde, apercebe-se que o entrave para arranjar emprego era a sua aparência. Até que decide participar num baile de máscaras onde ganhou o primeiro prémio, com o dinheiro mudou o aspecto físico e conseguiu um novo ofício: vender lotarias na Casa da Sorte. Nesta obra, o texto icónico é apenas um complemento do texto verbal, que é o mais realçado.
Pode concluir-se que a autora, recriando o maravilhoso num contexto moderno, focou problemáticas sociais, como a questão da emancipação da mulher, tendo recorrido, para isso, ao cómico das situações e das personagens.




um olhar sobre o imaginário

Um olhar sobre o imaginário

Dacosta, Luísa (1974). A menina coração de pássaro. Obras completas de Luísa Dacosta para a infância 2ªedição (2002). Edições ASA. ISBN: 972 – 41- 3181- 5.
A partir dos 6 anos.

O livro A menina coração de pássaro é uma das obras da escritora Luísa Dacosta que nasceu em 1927, em Vila Real de Trás-os-Montes. Formou-se na Faculdade de Letras de Lisboa, em Histórico-Filosóficas. Mas as suas "Universidades" foram as mulheres de A-Ver-O-Mar. Foi professora do ciclo preparatório e alguma coisa deve também aos alunos: o ter ficado do lado do sonho e isso tem motivado a autora a escrever para crianças.
Antes de referir qualquer outro tipo de elemento é essencial analisar os paratextos da obra. A capa é apelativa essencialmente pela cor azul e pelo pássaro muito semelhante a uma pomba em tom verde, mas é necessário folhear as primeiras páginas para encontrar algo que prenda o leitor. Folheadas estas, também azuis, deparamo-nos com a conhecida característica da autora, a expressão “no sonho, a liberdade…” que nos clarifica quanto ao tema do livro: o sonho, o mundo imaginário onde tudo é possível, o mundo onde cada um pode vivenciar o que deseja, o mundo que é só nosso. É um texto narrativo em forma de conto, uma vez que é narrada a história de uma menina “sonhadora e solitária, que falava com as flores e sabia o coração das coisas” (Dacosta, 2002) que, recuperando um velho enfeite de Natal, um pássaro “branco, prateado e vidrento” consegue entrar, à noite, nesse objecto e voar até junto de uma estrela com quem conversa e a quem fica afectivamente ligada. Do diálogo com a estrela, que está “cansada de ser estrela” (Dacosta, 2002:7), e que no céu, há milhares de anos, já aprendeu que mais vasto do que o oceano é o sofrimento dos homens”, surge uma amizade e ternura verdadeiras.
Ao longo da obra, o leitor pode activar os seus quadros de referência intertextuais reconhecendo valores como a amizade, o afecto e a vida. Todas as histórias de sonho, de fantasia, de tudo o que apela à imaginação da criança, podem ter uma relação intertextual com este conto. Porém podemos assemelhar o percurso desta história à famosa obra O Principezinho, de Antoine de Saint – Exúpery: “só se vê bem com o coração; O essencial é invisível aos olhos”, pois há coisas que não se vêem, sentem-se: “(…) precisa de olhos interiores para ser visto e sentido (…)” “o que se vê com os olhos interiores , é o fogo da ternura e da amizade”(Dacosta, 2002).
Em ambas as histórias mostra-se o verdadeiro valor da amizade e do afecto, valores que não se vêem, mas que se sentem e que são verdadeiros. Tanto o principezinho como a menina coração de pássaro partem em busca da felicidade, da aventura e ambos aprendem que nem tudo é perfeito, nem tudo é o que parece, e principalmente valores importantes, verdadeiros e sinceros são esquecidos, já ninguém vê as coisas com o coração, com os olhos interiores.
Para concluir, pode ainda salientar-se que a ausência de texto icónico é um grande contributo, uma vez que pode levar a diversas interpretações do texto. São deixados espaços em branco para que o leitor se torne crítico e possa dar asas à sua imaginação, ficando assim, como que “preso” ao livro.

Ser tudo de todas as maneiras


Letria, José Jorge (2001). O que eu quero ser…. Colecção José Jorge Letria. 2ª Edição – 2001. Editora Ambar.
Ilustração: Chico
ISBN 972-26-2123-8

José Jorge Alves Letria nasceu em Cascais, a 8 de Junho de 1951,é um jornalista e escritor português. Estudou Direito, História e História de Arte na Universidade de Lisboa, sendo pós-graduado em Jornalismo Internacional pela Universidade Autónoma de Lisboa. Como escritor distingue-se na poesia, no conto, no teatro e, sobretudo, na literatura para a infância e juventude. Autor de quase duas centenas de títulos publicados em cerca de 50 editoras diferentes, metade dos quais na área literatura infanto-juvenil. E segundo ele, a sua poesia «é muito marcada pelo amor e pela tentação da felicidade que integra o amor. Uma espécie de sede de absoluto que o amor representa enquanto horizonte.» Tem poemas traduzidos em espanhol, francês, italiano, checo, russo, búlgaro e alemão.
O livro O que eu quero ser…, ilustrado por Joana Quental, insere-se na literatura infanto-juvenil e todo ele é constituído por um texto de composições curtas. O autor neste livro fala daquilo que todas as crianças pensam quando ainda são muito pequeninas, que é o “O que eu quero ser…”. Sendo as respostas das mais variadas e imprevisíveis, o autor retrata no livro isso mesmo, muitas profissões, raças e tudo aquilo que lhes passa pela mente nessa idade.
O autor neste livro vai buscar algumas das características das rimas infantis de tradição oral, sendo as mais evidentes, por um lado a falta de sentido, por outro o encadeamento de repetições paralelísticas, ora de palavras e expressões, ora de sons rimados. Já as composições em verso, à primeira vista, parecem um mero aglomerado de frases rimadas sem qualquer ligação lógica e semântica entre si. No entanto, as crianças têm um grande fascínio não só por uma imagística aparentemente desprovida de lógica, mas também, pelo jogo poético e pelo ritmo. São aspectos particularmente apelativos como estes, que permitem à criança familiarizar-se, de uma forma lúdica, com ritmos, palavras ou movimentos simples. São poemas cuja "evidência sonora" se sobrepõe claramente ao plano da significação, provocando, assim, aparentes faltas de lógica.
Do encadeamento de repetições de palavras, expressões e sons rimados se inferem efeitos de musicalidade e de comicidade. A comicidade é conseguida através da junção de significantes oriundos de contextos aparentemente inconciliáveis. É assim que as composições deste livro são todas elas divertidas, remetendo por vezes para o riso.
As ilustrações também contribuem para um melhor entendimento do livro, porque caracterizam bem a profissão, se for o caso, e as imagens em volta levam as crianças a imaginarem um pouco sobre o que ela é. Mas o texto verbal é, sem dúvida mais rico, porque além de demonstrar aquilo que é ser polícia, por exemplo, demonstra também que não o basta ser, mas é também fundamental respeitar os outros e não abusar da autoridade.
Ou seja, o livro, mais que uma função lúdica, tem uma função moralista, pois leva a que as crianças tenham a noção do que é bom, do que é mau, mas também do que é ser diferente e respeitar isso.
Concluindo, José Jorge Letria, mais que um escritor de literatura infanto-juvenil, é um homem que, através das palavras, retrata aquilo que ainda se vive nos dias de hoje, a discriminação de outras culturas, profissões e raças, não fosse ele antes do 25 de Abril um dos cantores de intervenção da sua geração, mas com este livro apela às crianças para saberem o que é a diferença, que não é mau o ser e que, no fundo, somos todos iguais.

Leitura colorida

Soares, Luísa Ducla (2004). A festa de anos. Obra completa de Luísa Ducla Soares. 1ª Edição – 2004. Editora Civilização.
Ilustração: Chico
ISBN 972-26-2123-8

Luísa Ducla Soares nasceu em Lisboa a 20 de Julho de 1939, onde se licenciou em Filologia Germânica. O seu primeiro livro de poesia data de 1970 e intitula-se Contrato. Esta autora tem-se dedicado como estudiosa e autora à literatura infanto-juvenil, tendo já publicado cerca de quarenta e cinco obras infanto-juvenis. Recebeu o "Prémio Calouste Gulbenkian para o melhor livro de literatura infantil no biénio 1984-1985" e o "Grande Prémio Calouste Gulbenkian" pelo conjunto da sua obra em 1996. Colaborou na página infantil do Diário Popular e na revista Rua Sésamo. As suas obras encontram-se traduzidas em diversos línguas, nomeadamente francês, catalão, basco e galego.
O livro A festa de anos é uma fábula em forma de conto, com diálogo, no qual a autora conta a história de uma avestruz chamada Catrapuz que decide comemorar o seu aniversário na companhia dos seus amigos: a gatita Tita, o cão Sultão, o rapaz Tomás e a foca Pinoca.
Esta obra é uma história fantástica, que aborda valores tão importantes como a amizade e a cumplicidade. Apesar de simples, a história revela-se fortemente cativante seduzindo os seus leitores pelas emoções que se vão desenrolando até ao final. Além disto, proporciona ao leitor um contacto feliz com a literatura, pois pode servir como um eficaz instrumento de promoção do gosto pelos livros e pela leitura em contexto pré-escolar.
Olhando para o livro pode-se ver uma avestruz e umas fitas coloridas alusivas ao título da obra, captando muito a atenção do leitor não só pelas imagens, mas sim pelo jogo de cores. Folheadas as primeiras páginas, ainda nos prendemos mais à história devido à quantidade de cores ilustradas bem como o tamanho das figuras, o que apela à festividade.
Os elementos paratextuais deste livro fornecem ao leitor um mundo de animais, muito colorido, onde todos são felizes e amigos. Por outro lado, o leitor criança, ao ter o primeiro contacto visual com o livro, depreende logo que vai ser um momento de festa, de alegria não com crianças, mas sim com animais. A autora dá um papel especial à actuação de animais, figuras que, na linha fabulística tradicional, acabam por representar, com subtileza, comportamentos humanos. Este é um universo ficcional muito risonho e adequado às preferências das crianças. Para miúdos com dois, três anos, este livro ajuda a aprender as cores e a identificar objectos de tons semelhantes. É nisto que Luísa Ducla Soares mantém a clareza e o ritmo da linguagem que se espera para que os mais novos se mantenham atentos.
Ao ler e interagir com a obra pude reparar que a única marca de estranhamento visível na mesma são os animais personificados, pois ao longo do texto não foram encontradas marcas de estranhamento, para além desta, porque, por ser um livro destinado a crianças pequenas, a linguagem deve ser, e neste caso é, acessível para que elas não percam “o fio à meada” e o interesse pela mesma. Porém, a forma como termina a história, com uma adivinha, talvez possa ser considerada uma marca de estranhamento, mas que se torna interessante pois o leitor tão cedo não esquecerá esta “festa de anos”, tentando concluir que bicho é que sairá daquele grande ovo.
Quanto aos espaços em branco constatei que não existem, ou seja, o leitor não pode imaginar nem fantasiar o que acontece, como são os animais, à medida que lê a história. “A festa de anos” tem como cenário expressivas ilustrações, com um jogo de cores fantástico e animais grandes e coloridos. E por esta obra ser muito infantil, a falta de espaços em branco cativa e prende a criança à história pois se esta se perder da narrativa tem sempre uma bonita imagem que apela à sua atenção.
A pluri-isotopia na obra está presente no texto icónico e não na narrativa. Por exemplo, a imagem da gata a voar com os convites para a festa de anos da avestruz Catrapuz. Um leitor mais adulto pode interpretar esta imagem como um acontecimento muito importante, ou seja, as estrelas são cintilantes e brilhantes o que pode levar a crer que a avestruz Catrapuz, por fazer anos, quer-se sentir uma estrela e este dia é tão importante que a gata até voa para poder entregar os convites. Penso que esta é uma imagem que pode suscitar várias interpretações.
Além disto, as perguntas retóricas, como por exemplo a adivinha final, deixam qualquer pessoa a pensar. Pois a sua ligação com a última imagem mostra-nos que a avestruz choca o ovo, mas que olha para o céu o que pode levar a crer que a avestruz está em pensar em qualquer coisa, mas esse pensamento já fica ao critério dos leitores, à sua imaginação, criatividade e interpretação.

28 dezembro, 2006

Queres Voltar a Sonhar?


MILHÕES, Mafalda; GALINDRO, Paulo (2006). Chiu!
Ilustração de Paulo Galindro. Lisboa: O Bichinho de Conto.
ISBN-10: 972-99401-1-8
ISBN-13: 978-972-99401-1-8

     Quando um pai ou uma mãe contam uma história, o tempo pára, as palavras ganham forma e o conto serve de poiso ao sonho.
     Este álbum, destinado tanto às crianças como aos adultos, da autoria de Mafalda Milhões e Paulo Galindro, é o resultado de uma mistura de texto e cor, onde uma história real dá lugar à história imaginada. Mafalda Milhões é uma escritora e ilustradora de livros infantis que quis trazer para a capital “A Tradição dos Contadores de Histórias”. Tem como principal objectivo contar histórias a crianças que nunca abriram um livro. É também responsável pela introdução da Hora do Conto na maior parte das bibliotecas de Oeiras.
     Dentro deste livro branco mora um menino chamado João, que numa determinada noite deixou de sonhar tal como todos os outros meninos da sua escola. Após seguidas noites sem sonhar, parte em viagem juntamente com o pai à descoberta do “porquê” de ter deixado de sonhar. É então que entra a ficção: a galáxia do Grand’ÓÓ, ovelhas “Que-saltam-a-cerca-e-chamam-o-Sono”, os Fazedores-de-Sonhos tal como muitos outros elementos do mundo imaginário.
     É uma obra bastante criativa e ousada, que contém também rimas, jogos de palavras e com o seu sentido cómico, onde o texto se funde com a ilustração. Pois a grafia do texto faz parte do conjunto das ilustrações construindo assim formas engraçadas, esquemas, por vezes colorido, outras vezes demonstrado o seu próprio significado. É bem visível a existência de uma sintonia a nível gráfico entre o texto e a ilustração.
     A ilustração, ao encargo de Paulo Galindro, é suficientemente interessante e apelativa com as suas cores fortes ao ponto de atrair qualquer pessoa. É uma ilustração fiel ao texto, mas que vai também para além deste, com páginas onde a imagem por si só diz tudo. Há também uma curiosidade que acho interessante revelar, que é o facto de o co-autor e também ilustrador Paulo Galindro se inspirar na sua própria família para a realização das personagens deste livro. É o exemplo do João, seu próprio filho; do Pai, ele mesmo; da Mãe, sua esposa; e da cadela Ruth, sua própria cadela também com um olho azul e o outro castanho.
     Este é um livro que vale mesmo a pena ler, que demonstra, subtilmente, o vazio existente na vida dos adultos, e a necessidade de estes voltarem a sonhar.
     Nesta obra, as ovelhas contam histórias, os pais são os primeiros a levantar da cama quando os filhos dão sinal de alarme e as mães são capazes de adormecer gigantes.

Há Males Que Vêm Para o Bem!


SOARES, Luísa Ducla (2005). A Princesa da Chuva.
Ilustração de Fátima Afonso. Porto: Civilização.
ISBN: 972-26-2260-9
A partir dos 6 anos.

Luísa Ducla Soares nasceu em Lisboa a 20 de Julho de 1939, onde se licenciou em Filologia Germânica. Recebeu o "Prémio Calouste Gulbenkian para o melhor livro de literatura infantil no biénio 1984-1985" e o "Grande Prémio Calouste Gulbenkian" pelo conjunto da sua obra em 1996. Publicou já, até à data, 45 obras infanto-juvenis.
«“Não há bela sem senão” diz a antiga expressão! Mas o que acontece quando não há azar que a coragem não enfrente? Será possível transformar uma maldição em bênção?» O breve texto que acabámos de citar encontra-se na contracapa de A Princesa da Chuva, servindo de apresentação e de convite à leitura deste novo conto.
Ilustrado por Fátima Afonso, este livro conta a história de Princelinda, «a princesa do Reino dos Reinetas» (Soares, 2005: 3), que vê a sua vida fadada desde o nascimento. Nesta obra a ilustração acompanha o texto com a função de o exemplificar/explicar. Ao mesmo apela à criança para uma leitura mais interessante e divertida com o seu toque humorístico. Num discurso cativante, do qual não se encontram ausentes os jogos fonéticos, as repetições, as metáforas e os diálogos muito vivos entre as personagens, a narrativa vai envolvendo o leitor, que acompanha as peripécias de uma pequena princesa cujo destino é marcado por um imprevisto e pelo insólito génio de uma fada, que a fada de Princesa da Chuva. Em qualquer sítio que a Princesa estivesse, havia de chover. Isto porque a pequena princesa fez chichi no colo da fada. Mas esta, ao contrário das suas congéneres tradicionais, age sobre o próprio destino e transforma a sua maldição numa dádiva. Parte para fazer o bem, descobre a sua vocação operária e finta o próprio destino.
A narrativa desenvolve-se, deste modo, a partir de uma situação de desequilíbrio, de um acontecimento aparentemente negativo, que, depois, acaba por se transformar num dado muito valioso.
Com todo o delicioso fino humor que caracteriza a sua escrita, Luísa Ducla Soares consegue aliar tradição e inovação, trazendo aos nossos miúdos o mundo maravilhoso de príncipes e de princesas, pintado com traços sociais que estes reconhecem do seu dia a dia.





27 dezembro, 2006

Uma Bruxa diferente


Marlow, Layn (2005) Carlota Barbosa a bruxa medrosa. Ilustração de Joelle Dreidemy. Bélgica: Dinalivro. ISBN: 972-576-362-9


Este livro de Layn Marlow conta a história de uma bruxa chamada Carlota Barbosa, que «não era uma bruxa igual às outras», era uma bruxa que «tremia ao ver sapos. À noite, o escuro punha-lhe os nervos em franja e, se encontrasse uma aranha, saltava com medo». Ela tinha um gato chamado Espinosa que era gozado pela irmandade dos gatos pela dona que tinha. Então ele decide abandoná-la e perder-se no mar. Quando Barbosa repara que Espinosa tinha ido embora, vai à sua procura, mas quando o encontra no mar aparece uma baleia gigante. Barbosa, perdendo os seus medos, salva o seu gato e leva-o para casa, onde o trata carinhosamente. A partir de então nunca mais teve medo de nada.
Neste sentido, nesta obra é quase impossível o leitor não esboçar um sorriso quando é confrontado com esta desconstrução da imagem da bruxa através da paródia. Esta desconstrução detecta-se desde a sua capa, particularmente do título, que denota uma certa sonoridade, até ao fim do livro. Esta obra obriga o leitor a reorganizar o seu horizonte de expectativas, uma vez que nos revela, parodicamente, uma bruxa medrosa, sensível, preocupada com os outros, fiel amiga e carinhosa. Mas nem tudo é desconstrução, ainda existem marcas que possibilitam ao leitor activar certos quadros de referência intertextuais, levando-o a considerá-la, mesmo assim, uma bruxa. O facto de usar um chapéu pontiagudo, possuir uma vassoura mágica e usar poções mágicas.
Trata-se, assim, de um conto que, através do humor desconstrutor e paródico, leva os leitores a «questionarem determinadas visões do mundo, a activar os hipotextos respectivos, a expandirem a sua competência enciclopédica e, por fim, permite-lhes adquirir ferramentas para leituras subquentes de outros textos». Esta obra não é a única onde se verifica esta desconstrução paródica da imagem da bruxa, a qual também está presente, por exemplo, em obras de Nicha Alvim ou na obra a A vassoura mágica de Luísa Ducla Soares.
Ao mesmo tempo, verificamos que nesta obra existe uma grande colaboração e complementaridade entre o texto verbal e o texto icónico para construir o significado da história, de tal maneira que para contá-la temos que recorrer tanto ao que dizem as palavras como ao que dizem as ilustrações. No fundo, as imagens e a sua organização gráfica não estão apenas a confirmar e ilustrar o que diz o texto. Dão-nos informações, que, não sendo fundamentais para a compreensão da história, nos desafiam a jogar com os seus significados num palco mais alargado de possibilidades de interpretação. Por exemplo, o tamanho e o tipo de letra não é sempre igual, existem palavras integradas no texto icónico que não estão no verbal. Por outro lado, só tomamos conhecimento das características físicas da bruxa através do texto icónico, pois o texto verbal só faz alusão às suas características psicológicas. Deste modo, à luz das comunidades interpretativas de que fazemos parte, verificamos, mais uma vez, que esta parece ser uma bruxa diferente da imagem mental estereotipada que formamos quando falamos ou ouvimos falar de bruxas, pois veste uma roupa simples e com cores vivas.
Também, de uma forma indirecta, esta personagem chama a atenção para a utilidade do livro. O facto de a bruxa, através dos livros, ter resolvido a situação de saúde do Espinosa mostra como estes constituem arquivos do saber e que quem os lê resolve mais rapidamente os seus problemas.
Este livro permite-nos, de certa forma, detectar uma certa moral: que os medos podem-nos dificultar muito a vida e colocar-nos em situações complicadas, mas que existem momentos decisivos em que o medo é ultrapassado por valores mais “altos”, como, amizade.
Por fim, observa-se que este conto não é uma caixa silenciosa, fechada sobre si mesma, totalmente surda às vozes de outros textos (Silva, 2003: 386). Encontramos nele, com efeito, uma alusão a um episódio do conto do Pinóquio. Esta situação pode ser inferida na parte final da história, no momento que a bruxa Barbosa encontra Espinosa no mar e aparece uma baleia gigante que afunda o barco e coloca Espinosa em risco de ser levado pelas correntes marítimas. O mesmo se verifica, de modo semelhante, no conto do Pinóquio.

História das histórias


Letria, José Jorge (2004). Ler doce ler. Ilustração de Rui Castro. Lisboa: Terramar.
ISBN: 972-710-383-9



Ler doce ler é uma obra metaficcional de José Letria, que é o escritor português mais premiado da actualidade. Letria nasceu em Cascais, a 8 de Junho de 1951 e, como escritor, distinguiu-se na poesia, no conto, no teatro e, sobretudo, na literatura para a infância e juventude.
A obra é ilustrada por Rui Castro, um jovem que despertou para a poesia através das sessões de «Poesia Vadia» no Café com Letras.
Neste livro, a ficção reflecte sobre si própria e sobre os mecanismos que a potenciam. Dá-nos a conhecer como os livros são compostos, quais os seus gostos, os seus medos, a sua “idade”, o que é ser escritor e o que ele faz, entre outras coisas que serviram para que o leitor conheça e aprofunde mais o seu saber sobre o verdadeiro mundo dos livros.
Na verdade, esta obra ensina-nos algo acerca da literatura e do seu funcionamento. Ajuda ao mesmo tempo os leitores a construírem quadros de referência e a estabelecer protocolos de leitura. Ou seja, mostra-nos que aquilo que o texto literário diz não é necessariamente verdade nem necessariamente mentira, que é difícil separar entre realidade e ficção. Também nos demonstra que toda a informação apresentada no livro, desde os paratextos, incluindo o texto verbal e o texto icónico, não é um apêndice do texto verbal mas algo relevante que o completa e ajuda o leitor a encontrar os vários sentidos, significados e interpretações que o texto potencia. Neste sentido, mostra-nos que, muitas vezes, os próprios paratextos condicionam o leitor na escolha de um livro e o levam a ler ou não esse livro.
Por outro lado, esta obra demonstra que a vida da obra literária é inconcebível sem a participação activa dos leitores. Os livros querem que o leitor se “entregue” a eles, faça parte da sua história, dialogue com eles, tente dar respostas às várias questões, que o próprio texto levanta, e seja capaz de preencher os “espaços em branco” que o próprio texto cria. Ou seja que se mostre como um leitor activo e interveniente, cujos comportamentos interpretativos não passam por uma mera leitura passiva, “gastronómica” ou inocente, mas uma leitura que procura as respostas em todos os policódigos do texto. Os livros dão-se completamente aos seus leitores, dirigem-se directamente a eles, vivem em função dos leitores e sem eles não têm utilidade.
Por outro lado, esta obra destabiliza as expectativas do leitor, cria um certo estranhamento quando diz, por exemplo, que «os livros vêm do tempo em que não havia livros. O livro em si são as palavras, as histórias, as emoções, as vivências, a partilha da memória colectiva. Deste modo, para existir um livro não é preciso papel ou caneta, o que interessa é que esteja presente, a imaginação e a criatividade.
Podemos concluir que esta obra permite exercitar uma função lúdica, na medida em que envolve o leitor no jogo com as convenções do texto, mostrando-lhe como funcionam as histórias através da descoberta dos mecanismos que nelas operam. Mas também uma função didáctica porque demanda a implicação do leitor na produção de sentido da narração (Meck, 1999), possibilitando uma aprendizagem literácita, visto que se apresenta como um jogo relacionado com a aquisição de competências linguísticas e cognitivas (Mackey, 1990). E por fim, porque possui um potencial instrutivo, envolvendo os leitores na produção de significados textuais (Hutchen, 1980).

23 dezembro, 2006

Sonhos de natal, sonhos de ontem e de hoje


Apenas porque quero desejar a todos um feliz Natal e porque tenho saudade de ver o brilho nos olhos das crianças. Sejam felizes e façam a todos felizes, sobretudo aqueles que fazem o nosso sorriso e que esperam, ansiosos, pelo Pai-Natal. Nós, os mais velhos, ainda podemos esperar pelo Menino Jesus!






António Mota (texto)
Júlio Vanzeler (Coordenação e Ilustração)
Gailivro Editores, 2003
A partir dos seis anos


A dedicatória à mãe é de uma ternura e de um apego que só o amor e a saudade podem ditar. Abrir o livro Sonhos de Natal (Mota, 2003) é sentir o passado, o adro da igreja cheio de gente, e ouvir o crepitar da lenha na lareira, onde cozem as batatas, o bacalhau e a tronchuda, lá da horta.
O «Menino Jesus», colocado na manjedoura de forma solene pelo senhor Afonso (Cf., 2003: 40), relembra-me o tempo em que a minha avó contava as histórias de Natal enquanto o Menino Jesus era esperado por todos nós e vinha, embrulhado em paninhos, ao colo da minha mãe para ser colocado nas palhinhas ao tocar da meia-noite.
A saudade perdura ao longo das páginas e a memória da terra, inscrita num discurso que dita a simplicidade estético-discursiva do autor, coloca-nos a par com um passado tornado presente: A Ana, que sonhava com «uma boneca muito grande» (2003: 26) é, hoje, uma mãe esmerada; a Joana que, para além de querer uma boneca, também queria «um trem de cozinha» (2003: 26) é «cozinheira num restaurante» (2003: 27); o Pedro que, ainda menino, queria «um carro de corrida e uma carroça puxada por um burrinho», é taxista lá na terra; o Ricardo que queria «um avião e um barco» (2003: 26), trabalha «no aeroporto de Lisboa» (2003: 28); e o Manuel, que só desejava «Livros que tivessem muitas figuras coloridas e contassem histórias com aventuras extraordinárias e uma gravata vermelha» (2003: 26), transformou-se no homem que nos presenteou com este maravilhoso livro e, que em momentos mais importantes ainda usa, com certeza, a desejada gravata vermelha.
O percurso de cada um de nós poderia inscrever-se nestas páginas e misturar-se devagar com os sentimentos e as sensações que acontecem quando deixamos fluir o nosso pensamento ao sabor da leitura empreendida.
Que saudade me fica daqueles brinquedos desejados há meses e que eu desembrulhava, ávida pelo desejo antecipado da descoberta. Que saudade me fica daquele Natal em que a minha mãe, depois de pousar o menino a sorrir, nos deixou abrir os embrulhos coloridos. Jamais me esquecerei daquela caixa alta e esguia que se destacava entre as duas outras prendas e cujo laço não se desfazia. Sei que o abri de forma solene, com o coração aos saltos. Lá dentro, amarrada por uns elásticos toscos, estava a minha primeira Barbie, com uns cabelos maravilhosamente dourados, que encurtavam ou cresciam consoante eu quisesse (bastava fazer rodar uma alavanca que encaixava na barriga daquela linda mulher). Tinham-na feito vir de França por um tio. Idolatrei-a.
Fi-la princesa, professora, médica, enfermeira, namorada (mais tarde esse mesmo tio mandou-me o Ken) e, claro, casei-a e tornei-a mãe. Nunca mais me esquecerei da minha primeira Barbie que foi durante muito tempo a minha companheira de aventuras nesta aventura que é o próprio crescimento!
O cheiro a canela paira hoje pela casa. Há rabanadas, sonhos de Natal, aletria e leite-creme. O Natal é mágico, pois fala de família, de amor, de ternura, de pais e de filhos, da casa onde nascemos e de todos aqueles que amamos. Sonhos de Natal é, pois um pequeno grande livro que fala de todos os que ainda querem viver o Natal!

Gisela Silva

22 dezembro, 2006

Uma pitada de Realidade e Imaginário


Título: A menina que sorria a dormir
Autoria:Isabel Zambujal
Ilustrações: Helena Nogueira
Cruz Quebrada: Oficina do Livro, 2005 (1.ª edição)
Colecção da Fundação Gil


Esta é uma história para se ler de olhos fechados.
Assim começa a narrativa sobre uma menina chamada Glória, que precisava de ouvir histórias enquanto dormia. Por isso, a sua família e amigos ajudavam, um de cada vez, no sono da menina, contando um género literário diferente.
É uma história carregada de humor com uma marca irreverente, em que a autora reflecte um estilo inovador no começo e ao longo de toda a narração. Inicia-se sem a expressão hipercodificada «Era uma vez…» e contém elementos do código linguístico da criança.
Isabel Zambujal nasceu em Lisboa, em 1965, trabalhou como copywriter em várias agências de publicidade. Publicou a colecção "Um Saltinho" e ainda as Histórias do Panda, com as ilustrações de Helena Nogueira.
Em termos genéricos, esta história caracteriza-se pela presença da realidade e fantasia e abordagem de vários géneros literários que, ao virar da página, o leitor vai reencontrando. A menina que sorria a dormir facilita uma leitura projectiva do eu-leitor, ao permitir-lhe reencontrar personagens próximas do universo da criança. Toda a narrativa é acompanhada por um importante texto icónico que a complementa. Esta história exibe uma colectânea de vários géneros literários numa combinatória de elementos temáticos que se actualizam na organização de todos os textos. O desenlace deste macrotexto tem lugar através do maravilhoso que convida o leitor a um exercício da imaginação.
Este livro faz parte da colecção "Fundação Gil", que inclui também outros autores como José Jorge Letria ou Catarina Furtado.

Um novo mundo


DACOSTA, Luísa (2005). O Elefante cor-de-rosa. Colec. “Obras completas de Luísa Dacosta”.Ilustrações de Armando Alves. Porto: Edições ASA
ISBN: 972-41-4184-5

Este livro é da autoria de Luísa Dacosta, pseudónimo de Maria Luísa Saraiva Pinto Dos Santos, que nasceu em 1927, em Vila Real de Trás-os-Montes. Formou-se em Lisboa em Histórico-Filosófico na Faculdade de Letras. Foi professora do ciclo preparatório e em 1997 reformou-se por limite de idade. O ilustrador foi Armando Alves, que nasceu em 1935, em Estremoz. Fez o curso de Preparação às Belas Artes na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa. Completou o curso de Pintura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e, entre 1962 e 1973, foi Professor Assistente nessa escola. A sua obra tem sido exposta no país e no estrangeiro.
Esta é uma história que se desenrola em torno de um pequeno elefante cor-de-rosa, referindo-se ser esta a cor dos sonhos das crianças. Este livro pode ser dividido em dois momentos. O primeiro refere-se à vivência feliz, alegre e serena do elefante cor-de-rosa com os seus companheiros. O segundo momento é assinalado pela morte inesperada desse mundo, vendo-se assim o elefante obrigado a partir e terminando por ir viver para a imaginação de uma criança.
Este livro não começa de forma tradicional com a expressão hipercodificada “era uma vez”, mas sim “no sonho a liberdade...”. Contrariando certas regras ortográficas, nomedamente o início por letras minúsculas, permite, ao leitor, deduzir que, no sonho, tudo é permitido até mesmo não obedecer a algumas regras. O texto contém uma forte carga emotiva e um elevado jogo de contrastes: planeta do “elefante cor-de-rosa”/planeta terra; vida/morte; amizade/solidão. A história vai crescendo em torno de um conflito que possui tudo de humano, mas que é protagonizado por esse elefante especial e pelos seus amigos, seres marcados por uma forte componente maravilhosa. Num primeiro momento estes desconhecem o sofrimento e o conhecimento deles é a ausência do conhecimento. O narrador procura envolver e criar uma proximidade com o leitor. A ilustração acompanha o texto e o tamanho dos caracteres.
Trata-se, enfim, de uma história de sonho e de fantasia que aborda valores tão importantes como a amizade, a solidariedade e a entreajuda. Aparentemente simples, na forma e no conteúdo, este pequeno conto revela-se, afinal, fortemente cativante, seduzindo tanto pela riqueza das emoções que desperta como pelos simbolismos que encerra.

Bibliografia:
http://www.terranova.pt/site/paginas.asp?tp=&acr=ra&idpag=733
http://www.asa.pt/produtos/produto.php?id_produto=852078

Dias agitados na vida de uma rena

Título: O Pai Natal preguiçoso e a Rena Rodolfa
Autor:Ana Saldanha
Ilustrador:Alain Corbail
Editora:editorial caminho, 1ªedição: novembro 2004
ISBN:972-21-1653-3
O Pai Natal Preguiçoso e a Rena Rodolfa foi escrito por Ana Saldanha. Esta nasceu no Porto onde se licenciou em Línguas e Literaturas Modernas (Português e Inglês). Doutorou-se na Universidade Glasgow com uma tese sobre Rudyard Kipling e a sua obra literária. Ganhou o Prémio Literário Cidade de Almada com o seu romance Círculo Imperfeito e tem-se dedicado à tradução. É sobretudo conhecida como uma das melhores escritoras portuguesas para jovens. A ilustração ficou a cargo de Alain Corbail, que nasceu na Bretanha (França), em 1965 e reside, desde há alguns anos, em Portugal. Este livro faz parte do Plano Nacional de Leitura e foi considerado o melhor Álbum de Ilustração Infantil dos prémios nacionais de Banda Desenhada 2005, atribuídos pelo 16º Festival Internacional de BD da Amadora.
É Dezembro. Na Lapónia, andam todos muito atarefados. O carteiro entrega as cartas, a secretária do Pai Natal, a rena Rodolfa, lê-as e procura as prendas pedidas nas prateleiras, as outras renas preparam-se para a grande corrida de Dezembro. Só o Pai Natal parece não ter pressas. Mas, quando estão já de partida, descobre-se que o provérbio de que o Pai Natal tanto gosta — «Devagar, que tenho pressa» — está mesmo certo. Do que é que a rena Rodolfa se foi esquecer?!
Esta história tem início a 24 dias do Natal e termina quando faltam 4 minutos e 25 segundos para as renas partirem com as prendas. Durante este período acompanhamos os dias agitados da rena Rodolfa e ficamos a conhecer o outro lado do Pai Natal: um lado descontraído e preguiçoso. Esta troca da figura do Pai Natal, que habitualmente é representado como uma pessoa preocupada por satisfazer os pedidos da criança e como um ser generoso, é corroborada pela actualização e pela humanização do Pai Natal. Este retrato do Pai Natal é feito de uma forma cómica.
Trata-se de uma história com um registo visual muito expressivo e um discurso vivo e bem humorado.


Bibliografia:
http://www.terranova.pt/site/paginas.asp?tp=&acr=ra&idpag=713
http://www.editorial-caminho.pt/

21 dezembro, 2006

Boas Festas


Toda a equipa que produz e contribui para este blog deseja aos estimados leitores os votos de Boas Festas e de um Novo Ano repleto de inúmeras e estimulantes leituras.

Coitadinho do Pai Natal...!




Ana Saldanha (texto)
Joana Quental (ilustrações)
Campo de Letras, 2002
ISBN: 972-8146-85-X
Obra incluída no Plano Nacional de Leitura




A autora de Ninguém de Ninguém dá prendas ao Pai Natal, Ana Saldanha, nasceu no Porto e actualmente vive na Irlanda do Norte, onde se dedica à tradução e ficção, depois de se ter doutorado com uma tese sobre Rudyard Kipling e a sua obra para crianças. É autora de diversos livros para crianças e jovens entre os quais Uma questão de cor, Doçura Amarga, Gorro Vermelho, entre outras. A ilustradora Joana Quental nasceu em 1969. Designer, ilustradora e docente, dedica-se ao desenho animado, multimédia, ilustração de livros entre outras actividades. Em 1997 recebeu uma Menção Honrosa no Concurso Nacional de Ilustração Infantil promovido pelo IPBL e IBBY.
Em Ninguém dá prendas ao Pai Natal, narrativa breve marcada pelo humor subtil, é apresentado um Pai Natal como uma figura emocionalmente fragilizada porque ninguém se lembra dele. O desenrolar da acção surge com a entrada em cena de diversas personagens dos nossos contos literários mais conhecidos. Capuchinho Vermelho, Gata Borralheira, João Ratão, Bruxa da Casinha de Chocolate, Raposa e Lobo Mau surgem nesta história a conviverem em plena harmonia e a trazerem cada um, uma prenda ao Pai Natal. As ilustrações retratam cada passo da história, e, ao virar da página, o leitor depara-se com o complemento texto icónico/texto verbal.
O desenlace desta breve narrativa termina com um “happy end”, onde todos acabam em companhia da amizade e da alegria. Um excelente livro para esta época natalícia.

Ninguém dá prendas ao Pai Natal é recomendado pelo Plano de Leitura para o ano lectivo de 2006/2007 (para projectos relacionados com 3º e 6º ano).

20 dezembro, 2006

O Menino Escritor no mundo das palavras


Rosário Alçada Araújo (texto)
Catarina França (Ilustração)
Gailivro Editores, 2005
A partir dos 6 anos.

Com o seu último livro, Rosário Araújo sensibilizou-me, não pela forma como constrói as suas histórias, mas pelo uso de uma subtileza encantadora que se estende ao longo das páginas de O menino Escritor (2006).
Construir com amor e dedicação está, de facto, nos princípios autorais de Rosário Araújo. Contudo, há neste pequeno livro algo de precioso que nos faz sentir a grandeza do texto e das maravilhosas ilustrações de Catarina França (que não me canso de elogiar) que integram um projecto amadurecido de conhecimento e contacto com os leitores mais novos. Aqui, é contada uma história que desvenda uma outra grande história: a história das palavras, presas no filamento do «Livro de Encantar», oferecido pela tia Lili (2006, 7).
A aventura chega-nos pela mão do João, um menino como tantos outros meninos, que vê no primeiro contacto com o livro algo de surpreendente e agradável. A forma como nos são apresentados o «Livro de Encantar», bem como a «Terra dos Encantos» remetem-nos para a forma isotópica da obra e, como se de um enamoramento se tratasse, percebemos que a funcionalidade do sonho e da imaginação são a pedra basilar desta história das palavras e dos sonhos.
Uma das principais particularidades desta história define-se na vontade de mesclar a aventura de João e, por sua vez, a dos outros meninos “João”que compreendem o benefício de pertencer à «Terra dos Encantos». Atentos às investidas empreendedoras da «Fada Tagarela» em educar o João no gosto pela leitura e pela escrita, sentimos uma vontade crescente em, a cada página virada, permanecer presentes em todo o processo de maturação da personagem que não quer ser escritor (2006: 18). Surgem-nos como núcleos organizativos da obra: a temática abordada, o discurso simples e o imaginário humorístico, pincelado de um agradável nonsense, que fazem da história de João uma história de convite à leitura e à própria reflexão.
Bruno Bettelheim diz assertivamente que o conto de fadas tem um efeito terapêutico que assegura à criança uma solução para as suas dúvidas e conflitos internos, pois neles se encontra a riqueza simbólica. Em O Menino Escritor tudo acontece como se de um conto de fadas se tratasse e a certeza de uma tomada de consciência fica bem situada entre o real quotidiano e a imaginação daqueles que fazem um uso acertivo do texto na sua globalidade, procurando os verdadeiros momentos de fruição. Vamos, pois, calçar «as botas especiais (…), com muito algodão na sola» para que não tenhamos os pés assentes na terra, pois «Aquele que tem ambos os pés bem assente na terra está parado» (2006: 22), e partir à descoberta da melhor história para contar.
Gisela Silva

12 dezembro, 2006

Inês Botelho: uma voz portuguesa na ficção do maravilhoso fantástico



Texto: Inês Botelho
Ilustração: Pedro Pires
Gailivro Editores, 2003-2005
A partir dos 12 anos.

A trilogia O Ceptro de Aerzis compõe-se de elfos, duendes, fadas, gnomos, sacerdotisas e outras criaturas do mundo mágico que se harmonizam no dever da partilha de ensinamentos e aprendizagens sobre a amizade, o amor, o culto do belo, o reencontro com as origens e a dedicação à Terra-Mater. A importância dos laços de consanguinidade entre três mulheres: Ailura, Galaduinne e Iruvienne, ao longo das diferentes gerações, bem como o respeito da autora pela cultura celta ─ que se faz sentir ao longo das três obras ─ provocam no leitor um sólido compromisso com toda a obra.
É de facto verdade, e como afirma o filósofo/escritor Paulo Loução no prefácio do terceiro volume, que Inês Botelho usa de um dom inato para criar. Contudo, a autora não nega influências de Marion Zimmler Bradley e de outras leituras que lhe permitiram enriquecer a sua competência enciclopédico-literária. O apego a um passado rico em símbolos, cuja essência se prende a uma exploratória síntese do mundo, provoca em O Ceptro de Aerzis o tão desejado “diálogo” entre a voz autoral e os jovens leitores, criando-se verdadeiros momentos de literariedade e poeticidade.
Trata-se sem qualquer dúvida de revalorizar o mítico-simbólico e não apenas de responder à questão que se baliza no desejo ainda pouco definido preso à noção de diferença ou à vontade da descoberta por parte dos mais jovens. O certo, é pois constatarmos, como já o referi num outro texto a propósito do sucesso incontestável da série Harry Potter de J. K. Rowling, que os nossos jovens querem e sabem ler e não devemos afastá-los, por ignorância nossa, de leituras que consideramos marginais só porque nelas figuram elementos do fantástico, do maravilhoso ou temáticas ligadas ao imaginário. Mal de nós se acreditássemos que o texto literário é uma cópia do mundo real, pois o princípio da pluri-isotopia ou da polissemia não poderia efectuar-se. Necessário é pois saber distinguir a qualidade dos textos e compreender a sua natureza estética para que o momento da fruição seja total.
Responsabilizar e consciencializar o leitor mais jovem é, também, uma tarefa que requer paciência e sapiência, pois o leitor-literário não se faz de um dia para o outro. Este deve, antes de tudo, ser um sujeito usuário de um vasto conjunto de narrativas, ouvidas ou lidas, que lhe permitirão abolir a imagem do texto enquanto uma unidade estanque e hermética. Desta forma, o texto será compreendido como um espaço de transgressão para que aconteçam verdadeiros momentos de literariedade, na realização do policódigo literário. Refiro assim uma visão singular, onde os momentos de estranhamento obrigam à reflexão e, consequentemente, à interacção.
Parece-me, pois, ser da competência da crítica literária, e mais uma vez referencio Paulo Loução, apadrinhar O Ceptro de Aerzis de Inês Botelho como uma obra literária que permite leituras plurais e convida à participação de um leitor enquanto sujeito cognoscente. É muito interessante constatar a patente evolução estética da autora, de livro para livro, o que é, por si só, uma referência de qualidade para a trilogia.
Acrescentarei, ainda, que a obra finalizada em 2005 e com a qual fomos presenteados encerra o reencontro com matrizes de referência comuns e intertextuais às quais podemos acrescentar, enquanto leitores cooperantes, novas vozes, permitindo assim uma verdadeira leitura de promoção estética na divulgação do trajecto antropológico e hermenêutico-simbólico do imaginário bem presente naqueles que refutam esquecer as antigas histórias de fadas que adormeceram, tranquilas, crianças do mundo inteiro.
Gisela Silva



10 dezembro, 2006

Call for Papers: Congreso Lectura 2007


Ciudad de La Habana, Cuba, del 23 al 27 de octubre de 2007
ACTIVIDADES CIENTÍFICAS
Conferencias magistrales y paneles centrales
1- Tema: Leer o no leer ¿ese es el problema?
2- Tema: El libro ¿hecho cultural o mercancía?
3- Tema: Alfabetización por medio de la literatura.

Mesas redondas
• La obra de José Martí y el mejoramiento humano.
• Aciertos, desaciertos y desconciertos de la Literatura para niños y jóvenes

Seminarios
1- Tema: Múltiples lecturas: múltiples saberes.
2- Tema: Lectura, educación, poder mediático y sociedad de la información
3- Tema: Lectura y salud: una relación impostergable.

Talleres
• II Taller Internacional IBBY: Para los niños trabajamos
(Actividad precongreso. Duración: 20 horas cada uno)
1- Escribir para niños y jóvenes.
2- Ilustrar para niños y jóvenes.

Salón
• Salón de Autores La Edad de Oro
ACTIVIDADES COLATERALES
• Festival Papirola
• Visitas a escuelas y centros culturales

PARTICIPACIÓN
Podrán participar: escritores, ilustradores, diseñadores, editores, críticos, investigadores, educadores, bibliotecarios, libreros, revisteros, informáticos, sociólogos, psicólogos, traductores, promotores de lectura; profesionales de la salud, de los medios de difusión masiva, del marketing y la publicidad, y estudiantes, entre otros.

IDIOMAS OFICIALES
• Español
• Inglés (Solamente contarán con traducción simultánea las conferencias magistrales, así como los actos de apertura y clausura.)

SEDE DEL EVENTO
• Hotel Habana Libre Tryp Sol Meliá

CUOTA DE INSCRIPCIÓN
Delegados (Ponentes y participantes) 325. 00 CUCTalleristas (Participantes del II TallerInternacional IBBY)
100. 00 CUC Estudiantes (Delegados al Congreso) 275. 00 CUC (Acreditados en curso regular universitario y menores de 25 años.
Cuota limitada por países.)
Acompañantes 225. 00 CUC

Fecha límite para realizar la inscripción como ponente de Lectura 2007 o participante en el II Taller Internacional IBBY: 30 de abril de 2007

Para mayor y más detallada y precisa información académica, por favor, dirigirse a:
Dra. Emilia Gallego Alfonso(e-mail: emyga@cubarte.cult.cu)Lic. Aimée Vega Belmonte(e-mail: aimee@icaic.cu )
Para organizar su viaje a Cuba coordine con nuestro Receptivo Oficial: Agencia de Viajes Especializados Universitur-CUJAESra. Hilda Maceira García Teléfonos: (537) 261 4939 / 267 2012 Fax: (537) 267 1574Mail: lectura@universitur.cujae.edu.cu
Informação:
Agradecimento ao fórum da Revista Babar pela disponibilização desta informação.

05 dezembro, 2006

Novo portal para a promoção do livro e da leitura


Está disponível online um novo portal, em língua castelhana, sobre produtos culturais na web:
http://www.amanocultura.com/

Informação recebida via ANILIJ

04 dezembro, 2006

Paródia e Desconstrução na Literatura Infantil Contemporânea

Rita Elisabete Mendes Lima apresenta no dia 18 de Dezembro, pelas 11h30, no Instituto de Estudos da Criança, em provas públicas, a sua dissertação de Mestrado em Estudos da Criança - Análise Textual e Literatura Infantil intitulada A Desconstrução da Figura da Bruxa na Literatura Infantil Contemporânea.
O júri é composto pelos seguintes elementos: Prof. Doutor Fernando Azevedo (Universidade do Minho), Prof. Doutor José Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa) e Prof.ª Doutora Maria de Lurdes Magalhães (Escola Superior de Educação de Viana do Castelo)

01 dezembro, 2006

A Rosinha, o Mar e os Sonhos: uma história para quem ousa sonhar


Rosário Alçada Araújo (texto)
Catarina França (Ilustração)
Gailivro Editores, 2005
A partir dos 6 anos.



No reencontro com Rosário Araújo, o leitor não pode deixar de se comprometer com o estilo singelo e mágico próprio da autora em contar aqueles momentos que nos abeiram diariamente, mas que tantas vezes relegamos para segundo plano.
«A Rosinha nunca compreendera porque é que o mar parava junto à praia, e recuava, voltando de novo para o aconchego das suas águas» (Araújo, 2005: 9). Assim, começa esta nova história, construída, não no jogo do acaso, mas no exercício prático do sonho.
Remetendo para uma outra página as leis da física, que explicariam o contínuo movimento das ondas, é-nos ditada uma resposta clara e directa, bem ao alcance de todos: o mar tem um movimento longo e monótono porque em cada onda ele traz um sonho para a Humanidade. Depois de o entregar, ele volta, sereno, buscar um outro, pois há sempre mais e mais sonhos para trazer e é lá, no alto-mar, que «vivem os sonhos bonitos de todo o Universo, os sonhos que vale a pena sonhar» (2005: 27).. Cabe-me, aqui, fazer uma reverência à espectaculosidade do momento. Quantas crianças não ficarão maravilhadas com esta resposta tão simples e, ao mesmo tempo, tão enigmática? O diálogo, no momento da leitura, surgirá deste apego ao texto para fluir, levado nas asas do sonho, para outras paragens, bem mais filosóficas. Haja vontade de criar momentos de entrega e de partilha.
A «Chave do Grande Tesouro», trazida ao sabor das ondas, a pedido da sereia que «tinha cabelos cor de prata e um fato de escamas cor de cobre (…)», tem para Rosinha uma missão de alto porte que a obrigará a um investimento pessoal, alicerçado na meditação e no empreendimento. Com apenas dez anos, Rosinha vê-se, assim, a braços com a difícil tarefa de saber «como podem as pessoas cuidar dos sonhos» (2005: 28), pois a humanidade não cuida dos sonhos que o mar traz.
Rosinha é, sem dúvida, a protagonista desta belíssima história de encantar que investe no leitor infantil, pelo seu entusiasmo e determinação, o desejo da conquista e o gosto pelo desafio. É, pois por ter prestado atenção no difícil e contínuo exercício levado a cabo por uma simples formiga, com quem trava conhecimento, que Rosinha vai compreender a verdadeira essência da sua missão. Rosinha tem a responsabilidade de mostrar a todos e a si mesma que é o impossível não tem lugar quando tomamos as nossas decisões, mesmo se estas nos parecem homéricas, pois o que vale é «pôr-se a caminho» (2005: 36).
O cunho educativo-pedagógico que se entrevê na escrita de Rosário Araújo nada tem de comprometedor ou impeditivo à fruição estético-literária, ele apenas serve para que a interacção do sujeito com o texto seja um momento de aprendizagem, onde se fomentem os valores essenciais à sua compreensão.
É, com certeza, pelo desafio interpretativo do seu contar e do contar das ilustrações, que presenteiam com pinceladas de sonho a história do princípio ao fim, que esta jovem escritora quer dar a palavra a todos. Mais uma vez o seu texto sugere muito mais do que simplesmente diz; apela muito mais do que simplesmente convida; retém, muito mais do que simplesmente cativa.

Gisela Silva

A História da Pequena Estrela – Uma história para crescer


Rosário Alçada Araújo (texto)
Catarina França (Ilustração)
Gailivro Editores, 2005
A partir dos 6 anos.

(Distinguida pelo Prémio Branquinho da Fonseca)


«Era uma vez…», assim começa a história da nossa Pequena Estrela. No entanto, aqui, a fórmula hiper-codificada anunciadora de mais uma história de encantar adquire uma dimensão alargada, centrada no efeito da singularidade e da fluidez estética na qual se inscreve o texto.
Vontade e empreendimento seguem lado a lado a cada página virada, e é através da complexidade semântico-expressiva que o leitor incorre numa leitura polissémica, ajustada quer às deliciosas ilustrações, quer ao texto que ganha contornos cada vez mais significativos à medida que a personagem principal se humaniza e dá a conhecer os seus sentimentos.
A mensagem adopta, desde logo, a experiência de outras leituras que subentendem a ancestral vontade e necessidade da partilha. A Pequena Estrela acata os ensinamentos e conselhos da «Árvore da Sabedoria» e sabe-se, assim, portadora de uma missão. Sem ainda entender muito bem do que se trata, esta procura por todos os meios satisfazer o seu ego de criança, o qual nunca ninguém tinha valorizado e a quem nada era necessário explicar – afinal ela não passava de uma estrela-criança – e realiza feitos maravilhosos sempre com a mesma vontade altruísta de quem procura ajustar-se, ajudando. O processo de iniciação da Pequena Estrela é um processo marcante de auto-confiança e auto-domínio, o que a leva, sem dúvida, ao êxito dos seus empreendimentos, tanto no «Lugar dos Grandes Corações», como no «fundo do lago» ou na «Ilha Escondida» onde alguém, um dia, lerá a sua mensagem.
O leitor apercebe-se que o texto, numa revitalização constante da isotopia da harmonia, da festa e da partilha, brinca num tom sério com diferentes mensagens sugeridas, e os conselhos e advertências, reprimendas mesmo, dadas à nossa anfitriã quanto ao seu ajustamento psico-sociológico no teatro da vida, são uma mais valia para o seu enriquecimento pessoal. Com a «Árvore da Sabedoria», Pequena Estrela fica, por um lado, a saber que tem um grande coração, o que a transforma num ser especial, capaz do cumprimento de uma «grande missão»; por outro que encontrará, a seu tempo, o que efectivamente procura e, por isso, tem de acreditar nas suas potencialidades e nos outros; por outro ainda, que é capaz de ajudar e, assim, se transformar num ser importante para os que contam com ela, e, sobretudo, que jamais deve querer «estar certa do futuro», pois mesmo «…[aqueles] que julgavam ter consigo essa resposta viveram grandes perigos» (Araújo, 2004: 26).
A mensagem mestra desta entusiasmante história para crianças, parece-me estar nesta importante revelação, que se prende com uma outra e que surge já mais no final da história. A velha Árvore da Sabedoria alerta a Pequena Estrela para o facto de esta ter de viver cada dia «a passos curtos», sem querer atropelar o normal curso das coisas. Só assim, mesmo sem conhecer o resultado das suas acções, ela poderá seguir em frente, com a certeza do dever cumprido. Parece-me que a mensagem se estende de igual modo aos mais velhos que têm por tarefa orientar essa vontade imediata que caracteriza as crianças Pequena Estrela, curiosas, corajosas, determinadas e persistentes para que saibam dosear os seus impulsos e controlar as suas frustrações o que, desta forma, as levará a saber sorrir.
Já na recta final, a autora fecha com chave de ouro a história da Pequena Estrela, que se revela, caso alguma dúvida houvesse, como uma criança em crescimento ascendente que, na nostalgia de um ailleurs onde se sentisse útil, procurou positivamente a sua identificação num processo de redescoberta constante, nunca esquecendo, como lhe recomendara a sua amiga, o que aprendeu: «O elefante nunca esquece os passos que dá» (2004: 40).
Em conversa com a autora, descobri que “A história da Pequena Estrela” pretendeu ser, numa segunda estância, um lugar de encontro onde “as crianças aprendessem e crescessem, tirando daí algo de bom para as suas vidas”. Ora, parece-me que até o efeito dilatório do happy end foi também ele conseguido de forma bastante singular. Sabe-se, que a Pequena Estrela, consciente de uma missão cumprida e de muitas outras em mãos, regressa feliz à “sua” casa, lá no firmamento, onde poderá fazer parte da roda gigante de todos os que coabitam com ela. De lá de cima ela terá sempre em mente as experiências vividas e estará sempre atenta, aprendendo a crescer em harmonia.

Gisela Silva