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27 dezembro, 2006

Uma Bruxa diferente


Marlow, Layn (2005) Carlota Barbosa a bruxa medrosa. Ilustração de Joelle Dreidemy. Bélgica: Dinalivro. ISBN: 972-576-362-9


Este livro de Layn Marlow conta a história de uma bruxa chamada Carlota Barbosa, que «não era uma bruxa igual às outras», era uma bruxa que «tremia ao ver sapos. À noite, o escuro punha-lhe os nervos em franja e, se encontrasse uma aranha, saltava com medo». Ela tinha um gato chamado Espinosa que era gozado pela irmandade dos gatos pela dona que tinha. Então ele decide abandoná-la e perder-se no mar. Quando Barbosa repara que Espinosa tinha ido embora, vai à sua procura, mas quando o encontra no mar aparece uma baleia gigante. Barbosa, perdendo os seus medos, salva o seu gato e leva-o para casa, onde o trata carinhosamente. A partir de então nunca mais teve medo de nada.
Neste sentido, nesta obra é quase impossível o leitor não esboçar um sorriso quando é confrontado com esta desconstrução da imagem da bruxa através da paródia. Esta desconstrução detecta-se desde a sua capa, particularmente do título, que denota uma certa sonoridade, até ao fim do livro. Esta obra obriga o leitor a reorganizar o seu horizonte de expectativas, uma vez que nos revela, parodicamente, uma bruxa medrosa, sensível, preocupada com os outros, fiel amiga e carinhosa. Mas nem tudo é desconstrução, ainda existem marcas que possibilitam ao leitor activar certos quadros de referência intertextuais, levando-o a considerá-la, mesmo assim, uma bruxa. O facto de usar um chapéu pontiagudo, possuir uma vassoura mágica e usar poções mágicas.
Trata-se, assim, de um conto que, através do humor desconstrutor e paródico, leva os leitores a «questionarem determinadas visões do mundo, a activar os hipotextos respectivos, a expandirem a sua competência enciclopédica e, por fim, permite-lhes adquirir ferramentas para leituras subquentes de outros textos». Esta obra não é a única onde se verifica esta desconstrução paródica da imagem da bruxa, a qual também está presente, por exemplo, em obras de Nicha Alvim ou na obra a A vassoura mágica de Luísa Ducla Soares.
Ao mesmo tempo, verificamos que nesta obra existe uma grande colaboração e complementaridade entre o texto verbal e o texto icónico para construir o significado da história, de tal maneira que para contá-la temos que recorrer tanto ao que dizem as palavras como ao que dizem as ilustrações. No fundo, as imagens e a sua organização gráfica não estão apenas a confirmar e ilustrar o que diz o texto. Dão-nos informações, que, não sendo fundamentais para a compreensão da história, nos desafiam a jogar com os seus significados num palco mais alargado de possibilidades de interpretação. Por exemplo, o tamanho e o tipo de letra não é sempre igual, existem palavras integradas no texto icónico que não estão no verbal. Por outro lado, só tomamos conhecimento das características físicas da bruxa através do texto icónico, pois o texto verbal só faz alusão às suas características psicológicas. Deste modo, à luz das comunidades interpretativas de que fazemos parte, verificamos, mais uma vez, que esta parece ser uma bruxa diferente da imagem mental estereotipada que formamos quando falamos ou ouvimos falar de bruxas, pois veste uma roupa simples e com cores vivas.
Também, de uma forma indirecta, esta personagem chama a atenção para a utilidade do livro. O facto de a bruxa, através dos livros, ter resolvido a situação de saúde do Espinosa mostra como estes constituem arquivos do saber e que quem os lê resolve mais rapidamente os seus problemas.
Este livro permite-nos, de certa forma, detectar uma certa moral: que os medos podem-nos dificultar muito a vida e colocar-nos em situações complicadas, mas que existem momentos decisivos em que o medo é ultrapassado por valores mais “altos”, como, amizade.
Por fim, observa-se que este conto não é uma caixa silenciosa, fechada sobre si mesma, totalmente surda às vozes de outros textos (Silva, 2003: 386). Encontramos nele, com efeito, uma alusão a um episódio do conto do Pinóquio. Esta situação pode ser inferida na parte final da história, no momento que a bruxa Barbosa encontra Espinosa no mar e aparece uma baleia gigante que afunda o barco e coloca Espinosa em risco de ser levado pelas correntes marítimas. O mesmo se verifica, de modo semelhante, no conto do Pinóquio.

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