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12 dezembro, 2006

Inês Botelho: uma voz portuguesa na ficção do maravilhoso fantástico



Texto: Inês Botelho
Ilustração: Pedro Pires
Gailivro Editores, 2003-2005
A partir dos 12 anos.

A trilogia O Ceptro de Aerzis compõe-se de elfos, duendes, fadas, gnomos, sacerdotisas e outras criaturas do mundo mágico que se harmonizam no dever da partilha de ensinamentos e aprendizagens sobre a amizade, o amor, o culto do belo, o reencontro com as origens e a dedicação à Terra-Mater. A importância dos laços de consanguinidade entre três mulheres: Ailura, Galaduinne e Iruvienne, ao longo das diferentes gerações, bem como o respeito da autora pela cultura celta ─ que se faz sentir ao longo das três obras ─ provocam no leitor um sólido compromisso com toda a obra.
É de facto verdade, e como afirma o filósofo/escritor Paulo Loução no prefácio do terceiro volume, que Inês Botelho usa de um dom inato para criar. Contudo, a autora não nega influências de Marion Zimmler Bradley e de outras leituras que lhe permitiram enriquecer a sua competência enciclopédico-literária. O apego a um passado rico em símbolos, cuja essência se prende a uma exploratória síntese do mundo, provoca em O Ceptro de Aerzis o tão desejado “diálogo” entre a voz autoral e os jovens leitores, criando-se verdadeiros momentos de literariedade e poeticidade.
Trata-se sem qualquer dúvida de revalorizar o mítico-simbólico e não apenas de responder à questão que se baliza no desejo ainda pouco definido preso à noção de diferença ou à vontade da descoberta por parte dos mais jovens. O certo, é pois constatarmos, como já o referi num outro texto a propósito do sucesso incontestável da série Harry Potter de J. K. Rowling, que os nossos jovens querem e sabem ler e não devemos afastá-los, por ignorância nossa, de leituras que consideramos marginais só porque nelas figuram elementos do fantástico, do maravilhoso ou temáticas ligadas ao imaginário. Mal de nós se acreditássemos que o texto literário é uma cópia do mundo real, pois o princípio da pluri-isotopia ou da polissemia não poderia efectuar-se. Necessário é pois saber distinguir a qualidade dos textos e compreender a sua natureza estética para que o momento da fruição seja total.
Responsabilizar e consciencializar o leitor mais jovem é, também, uma tarefa que requer paciência e sapiência, pois o leitor-literário não se faz de um dia para o outro. Este deve, antes de tudo, ser um sujeito usuário de um vasto conjunto de narrativas, ouvidas ou lidas, que lhe permitirão abolir a imagem do texto enquanto uma unidade estanque e hermética. Desta forma, o texto será compreendido como um espaço de transgressão para que aconteçam verdadeiros momentos de literariedade, na realização do policódigo literário. Refiro assim uma visão singular, onde os momentos de estranhamento obrigam à reflexão e, consequentemente, à interacção.
Parece-me, pois, ser da competência da crítica literária, e mais uma vez referencio Paulo Loução, apadrinhar O Ceptro de Aerzis de Inês Botelho como uma obra literária que permite leituras plurais e convida à participação de um leitor enquanto sujeito cognoscente. É muito interessante constatar a patente evolução estética da autora, de livro para livro, o que é, por si só, uma referência de qualidade para a trilogia.
Acrescentarei, ainda, que a obra finalizada em 2005 e com a qual fomos presenteados encerra o reencontro com matrizes de referência comuns e intertextuais às quais podemos acrescentar, enquanto leitores cooperantes, novas vozes, permitindo assim uma verdadeira leitura de promoção estética na divulgação do trajecto antropológico e hermenêutico-simbólico do imaginário bem presente naqueles que refutam esquecer as antigas histórias de fadas que adormeceram, tranquilas, crianças do mundo inteiro.
Gisela Silva



2 comentários:

Anónimo disse...

Cara Gisela Silva,

Gosto imenso de ler os seus comentários.
Queria perguntar-lhe: No que se refere a autores tão novos acha que os livros, enquanto uma obra no seu todo, são mesmo de qualidade literária?
Parece-me que hje há cada vez mais a procura de um sucesso rápido e mediático.

Um abraço.

Gisela Silva disse...

Cara leitura,

Não restam dúvidas de que existem livros de grande qualidade literária autorados por jovens escritores, pois neles encontramos um correcto uso da língua, bem como todo um processo linguístico, estilístico-formal e semântico que nos permite reiterar a sua literariedade.
A demanda de um êxito rápido é um facto, compete-nos a nós, educadores e professores, tentar fazer a melhor seriação possível e não cair em armadilhas.

Um abraço,
Gisela Silva